TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
21 acórdão n.º 179/12 ser julgada, em primeiro lugar, à luz do princípio da necessidade das penas e das medidas de segurança, implicita- mente consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. Com efeito, em relação às incriminações de perigo (e, especialmente, às de perigo abstrato), sempre se poderá entender que não é indispensável a imposição dos pesados sacrifícios resultantes da aplicação de penas e de medidas de segurança, visto que não está em causa, tipicamente, a efetiva lesão de qualquer bem jurídico”. A imposição de penas e de medidas de segurança implica, evidentemente, uma restrição de direitos fundamentais, como o direito à liberdade e o direito de propriedade, que é indispensável justificar ante o disposto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. Assim, uma tal restrição só é admissível se visar proteger outros direitos fundamentais e na medida do estritamente indispensável para esse efeito”. 41.º A restrição que a criminalização desta conduta importa para os bens jurídicos constitucionalmente protegidos como o direito à liberdade e o direito de propriedade deve justificar-se num teste rigoroso de proporcionalidade. Seria necessário demonstrar que só criminalizando o enriquecimento se conseguiria atingir o resultado visado pelo legislador (cfr. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português , I, Lisboa, 1997, p. 75). Ora, como se viu, podem ser encontradas outras formas de, protegendo os mesmos bens jurídicos, salvaguardar princípios constitu- cionais fundamentais, ademais quando aplicável a todas as pessoas. 42.º Acresce que, na formulação adotada pelo Decreto, não são claros os bens jurídicos a proteger pela norma e pela respetiva incriminação. Tal indeterminação coloca em crise não só o juízo de proporcionalidade como a própria possibilidade concreta de definição do tipo legal. Com efeito, e o citado Acórdão n.º 426/91 é paradigmático disso mesmo, a definição dos crimes não pode nunca surgir desligada dos bens jurídicos que se pretende proteger (cfr., sobre o tema e sobre a necessidade de revisitar a jurisprudência do Acórdão n.º 426/91, Jorge de Figueiredo Dias, “O Direito Penal do Bem Jurídico como princípio jurídico-constitucional”, in XXV Anos de Jurisprudência Consti- tucional Portuguesa, Coimbra, 2009, p. 39). 43.º Não menos relevante é a possível violação do princípio da legalidade penal e do seu sub-princípio nullum crimen, nulla poena sine lege praevia . 44.º Do Decreto não resulta com suficiente precisão o momento da prática do facto, legitimando a interpretação segundo a qual a norma é aplicável a factos ocorridos em momento anterior ao da sua entrada em vigor. 45.º Com efeito, uma vez que a norma se refere a aquisição, posse ou detenção e sendo a posse um facto aparente e continuado, pode bem suceder que a posse atual se tenha iniciado em momento muito anterior o que implicaria uma aplicação retroativa ou, ao menos, retrospetiva da lei penal o que sempre seria inadmissível à luz do disposto no artigo 29.º da Constituição. 46.º Finalmente, razões de confiança, princípio ínsito ao Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constitui- ção, militam a favor da decisão de inconstitucionalidade do Decreto em causa. 47.º Foram publicamente expressas, por diversos meios, as dúvidas de juristas sobre a conformidade constitucional do Decreto em apreciação, nas suas sucessivas versões. Tal foi o caso, entre outros, dos Professores Vital Moreira e
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