TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

207 acórdão n.º 70/12 Em sentido contrário, salienta-se no voto de vencido aposto no acórdão recorrido que não há «qual- quer desequilíbrio inaceitável, pois que a sua colaboração [do sócio gerente] é, em regra, essencial à efetiva apreensão dos elementos da contabilidade e dos bens integrantes da massa insolvente, bem como, numa fase inicial, a um eficaz exercício das funções do administrador da insolvência. Na verdade, é de presumir que seja ele quem detém os elementos da contabilidade da empresa e quem melhor conhece o património que a esta ainda resta. Ora, a sua falta de colaboração pode implicar mesmo perda de bens que deveriam ser apreendi- dos, agravando, assim, a situação de insolvência.» Na mesma linha se pronuncia, nas respetivas alegações, o representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional, salientando, além do mais, que as medidas a aplicar quando a insolvência é culposa têm natureza sancionatória e que nesse quadro não há razão para exigir que os comportamentos relevantes para a qualificação da insolvência como culposa sejam necessariamente anteriores ao início do processo de insolvência. 5. Como resulta da transcrição da decisão recorrida acima efetuada, a recusa de aplicação da norma da alínea i) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE fundou-se, basicamente, na ideia de que a qualificação da insolvência como culposa só pode ter como referência previsional a violação de deveres de conduta dos administradores a que seja imputável a criação ou agravamento dessa situação, logo, determinadas formas de comportamento anteriores ao início do processo de insolvência. Sujeitar a essa mesma consequência a omissão de deveres que só nascem após a declaração de insolvência – como tal, sem influência causal no seu surgimento − representaria uma violação do princípio da igualdade e acarretaria a imposição de sanções não condizentes com o princípio da proporcionalidade. Diga-se, antes de mais, que a afirmada falta de causalidade, em relação à insolvência, do incumprimento dos deveres de apresentação e de colaboração só parcialmente é de verificação certa. Na verdade, se é indis- cutível que essa situação nunca pode ser criada por tal conduta, já há que admitir, como oportunamente assinala o voto de vencido, que ela possa ser agravada em resultado desse comportamento. Designadamente, a falta de cumprimento aqui concretamente em juízo, a saber, a não entrega, ao administrador, dos docu- mentos contabilísticos a que se refere o artigo 24.º do CIRE, é de molde a obstaculizar uma identificação correta da situação patrimonial do devedor, em prejuízo da massa insolvente. Independentemente desta consideração, cumpre advertir que a questão é de valoração jurídica, pelo que não deve ser apreciada num puro plano logicista de apreensão de uma ordem natural das coisas e dos nexos causais que entre elas se estabelecem. Ora, a nosso ver, o acórdão recorrido não está imune a esta precompre- ensão falseadora, como se revela, com particular evidência, no seguinte trecho: «Com efeito, aquilo que faz sentido no contexto em apreço é que a culpa seja aferida relativamente a um momento anterior àquele em que se inicia o processo em que ela vai ser apreciada. Não é coerente que a insolvência, já declarada, possa ser considerada culposa em virtude da atuação do devedor, no processo de insolvência e após tal declaração». Daqui retira a decisão recorrida a conclusão de que a norma «introduz um inaceitável desequilíbrio no sistema», e isto porque determina que a insolvência seja tida como culposa por força de «algo que, por neces- sidade lógica [itálico nosso], nenhuma influência pode ter tido naquele decretamento». Facilmente se reconhece que as previsões das várias alíneas do n.º 2 do artigo 186.º não formam um bloco absolutamente homogéneo, quanto ao sentido tutelador: enquanto que as das alíneas a) a g) se repor- tam diretamente a atos de gestão que é de presumir terem concorrido materialmente para a situação de insolvência (ou para o seu agravamento), as das alíneas h) e i) têm outro cariz. Incidem sobre formas de incumprimento que produzem ou podem produzir “efeitos de ocultação” sobre a real situação patrimonial e

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