TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
206 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A qualificação da insolvência como culposa desencadeia relevantes consequências jurídicas, desvantajo- sas para as pessoas afetadas pela qualificação [obrigatoriamente identificadas na sentença – alínea a) do n.º 2 do artigo 189.º]. Pondo de lado a inabilitação, dado que a norma que a prevê – a alínea b) deste preceito − já foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão n.º 173/09, são elas a inibição para o exercício do comércio, referida na alínea c) , e a perda de créditos (ou a obrigação de restituição de bens ou direitos recebidos em pagamento desses créditos) sobre a insolvência ou a massa insolvente [alínea d) ], bem como a inaplicabilidade do regime de exoneração do passivo restante [alínea e) do n.º 1 do artigo 238.º], de que poderia beneficiar o devedor pessoa singular ( a quem pode ser extensível o regime dos n. os 2 e 3 do artigo 186.º, nos termos do n.º 4 da mesma disposição). 4. No presente recurso, está em causa a norma da alínea i) do n.º 2 do artigo 186.º, segundo a qual se considera sempre culposa a insolvência do devedor (que não seja uma pessoa singular), quando os seus admi- nistradores, de direito ou de facto, tenham incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º, ou seja, o parecer que o administrador da insolvência apresenta com a proposta de qualificação da insolvência. Ficou provado, nos presentes autos, que o sócio-gerente da insolvente, aqui recorrido, «não prestou qualquer informação ao administrador para a elaboração do parecer, designadamente, não entregando os documentos contabilísticos a que se refere o artigo 24.º, n.º 1, do CIRE, nem, à data, informou os autos de qualquer dado relevante quanto às causas da insolvência nem para eventual liquidação da massa insolvente». O acórdão recorrido considerou, com um voto de vencido, que a referida alínea i) configura uma norma inconstitucional, cuja aplicação deve, por isso, ser recusada, com a seguinte argumentação, em síntese: «I – A alínea i) do n.° 2 do artigo 186.° do CIRE, ao estabelecer que o termo temporal ad quem a ter em conta – para efeitos de, juris e de jure , sublinhe-se, se considerar a insolvência como culposa – é, já não, o início do processo de insolvência, como se prevê no n.° 1 do mesmo preceito, mas a data da elaboração do parecer referido no n.° 2 do artigo 188.º, introduz um inaceitável desequilíbrio no sistema, promotor de igualdade de tratamento de situações substancialmente diversas – tanto é culposa a insolvência da pessoa coletiva cujos administradores, nos 3 anos anteriores ao início do processo respetivo, fizeram desaparecer o património desta [alínea a) do n.° 2 do artigo 186.°], como o é a da pessoa coletiva cujos administradores, já no decurso do processo de insolvência e decretada esta, incumpriram, de forma reiterada, o seu dever de colaboração com o administrador [dita alínea i) ], algo que, por necessidade lógica, nenhuma influência pode ter tido naquele decretamento. Uma das vertentes em que se analisa o princípio da igualdade constante do artigo 13.º, n.° 1, da Lei Funda- mental é, segundo Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição , 4.ª edição, fls. 416 e segs., maxime , fls. 418, a do dever de tratar de modo diferenciado aquilo que é diferente, opinião esta seguida, sine discrepante, pela nossa jurisprudência, designadamente a constitucional. II – Por outra via, com tal estatuição, de tão gravosas consequências, como se sabe, para a pessoa ou pessoas afe- tadas, está a atentar-se contra o princípio do Estado de direito democrático, do artigo 2.° da Constituição da República, porquanto se estipula uma consequência demasiado gravosa, a classificação da insolvência como culposa, para faltas cometidas após o início do processo respetivo, e mesmo depois de a insolvência estar decretada (momentos em que, por definição – é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, segundo o artigo 3.°, n.° 1, do CIRE – o comportamento dos administradores da devedora já nada tem a ver com os factos que levaram à dita impossi- bilidade de cumprimento), afastando-se assim da proporcionalidade que aquele princípio demanda, e caindo mesmo, porventura, na arbitrariedade que ele também proíbe, segundo o autor citado, ibidem, fls. 265 e segs., maxime , fls. 270.»
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