TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
20 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 31.º Nos sistemas jurídicos que nos são próximos não se encontra lugar paralelo para o modelo que o legislador português agora pretendeu definir. Podemos encontrar na Bélgica, em Espanha e em Itália uma procura crescente de criminalizar a corrupção, mas não o enriquecimento ilícito nos termos previstos no Decreto em apreciação. 32.º Porventura o modelo que mais se aproxima do que aqui analisamos é o adotado pelo legislador francês. Toda- via, de acordo com o disposto no artigo 321.º-6 do “Code Pénal”, a incriminação do enriquecimento ilícito depende da demonstração da existência de conexão entre o agente e outras pessoas condenadas pela prática de crimes graves. Exige-se, ainda, a prova de um benefício direto ou indireto para o agente o que, ao menos, pode ser qualificado como um crime de resultado. 33.º Deste modo, o modelo de incriminação do enriquecimento ilícito através de uma inversão do ónus da prova seria uma singularidade do modelo português no contexto europeu. 34.º Não está, assim em causa a criminalização do enriquecimento ilícito – que tem assento nos instrumentos inter- nacionais já citados – mas uma eventual inversão do ónus da prova operada pelo legislador e a consequente violação do princípio da presunção de inocência. 35.º Este princípio encontra-se também violado na sua dimensão ou sub-princípio in dubio pro reo . 36.º Com efeito, outro corolário do princípio da presunção de inocência é a necessidade de condenação beyond a reasonable doubt . Tal significa que, em caso de dúvida, o juiz deve declarar não se encontrarem provados os factos e, neste caso, o non liquet favorece o arguido (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal , I, Lisboa, 2000, p. 83). 37.º Assim, caso o Ministério Público não demonstre a origem lícita do enriquecimento, cria-se a dúvida sobre a licitude ou ilicitude desse enriquecimento. 38.º Ora, uma vez que a definição do tipo legal de crime se encontra desenhada de tal forma que a não demons- tração da licitude da origem dá lugar ao seu preenchimento, a dúvida mencionada conduzirá, inelutavelmente, à condenação do arguido o que consubstancia uma violação ao princípio da presunção de inocência. 39.º As normas objeto do pedido são, ainda, suscetíveis de violar o princípio constitucional da proporcionalidade, na dimensão necessidade. 40.º Com efeito, não entrando aqui na controvérsia sobre a qualificação do crime como de perigo, concreto ou abstrato, sempre se dirá, em linha com o afirmado pelo Tribunal no citado Acórdão n.º 426/91 que “a constitu- cionalidade de uma norma que preveja um crime de perigo – e, sobretudo, um crime de perigo abstrato – deve
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