TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

199 acórdão n.º 54/12 disciplinar a “militares” então existente. Com efeito, não podia ignorar-se que a GNR foi, desde sempre, concebida e organizada como um “corpo especial de tropas” e que os seus membros eram (e são) qualificados expressamente como “militares” e sujeitos à condição militar.  Tem, porém, de reconhecer-se que, em contraponto, o elemento sistemático já será mais propício a outra interpretação. Na verdade, na mesma revisão constitucional foi aditado o artigo 270.º referente a res- trições ao exercício de direitos, distinguindo-se entre “militares” e “agentes militarizados”. Poderá, nessa base, argumentar-se que, ao optar, num sítio (artigo 27.º), por apenas excecionar a prisão disciplinar referente a «militares» e, no outro (artigo 270.º), ter consagrado restrições a direitos fundamentais referentes a «mili- tares» e a «agentes militarizados», a Constituição parece apontar para que os agentes da GNR cabem nesta última categoria, designando-se constitucionalmente como “militares” apenas os membros dos três ramos das Forças Armadas, e que no artigo 27.º se pretendeu deixar de fora do âmbito de aplicação da norma todos os agentes militarizados, sem exceção. Face à inconcludência dos elementos histórico e literal-sistemático, na falta de suporte hermenêutico seguro de que, considerada a normatividade existente, se pretendeu repudiar para parte dela a cobertura constitucional resultante da exceção da alínea d) do n.º 2 do artigo 27.º, impõe-se encontrar um critério constitucionalmente adequado à justificação da sujeição dos “militares” a penas que constituem um tão sig- nificativo desvio a um princípio basilar do Estado de direito como o de que ninguém deve sofrer privação da liberdade senão precedendo decisão judicial ou pelo tempo estritamente necessário a ser posto à disposição do juiz competente. O essencial do problema consistirá, pois, em discernir que elementos das atribuições ou da organização de uma instituição podem justificar um direito sancionatório público tão gravoso para o direito fundamental da liberdade. Procedendo por aproximação, porque a opção constitucional de que para os três ramos das Forças Armadas essa especial sujeição é justificada (os membros das Forças Armadas são “candidatos positivos” ao conceito constitucional de “militar” constante da exceção do artigo 27.º), importa discernir que elementos podem levar a que se consinta a sujeição dos militares da Guarda a um regime dis- ciplinar idêntico (no aspeto considerado) ao dos membros das Forças Armadas. Identificando os aspetos organizatórios e funcionais desta força de segurança que permitem a assimila- ção do regime de justiça e disciplina dos seus membros (no aspeto considerado) ao dos militares das Forças Armadas, disse-se no Acórdão n.º 521/03: «E seguidamente o mesmo Acórdão [Acórdão n.º 183/87] identifica como notas características que, decerto, avultam na instituição militar: “– O estrito enquadramento hierárquico dos seus membros, segundo uma ordem rigorosa de patentes e postos; – Correspondentemente, a subordinação da atividade da instituição (e, portanto, da atuação individualizada dos seus membros), não ao princípio geral da direção e chefia comum à generalidade dos serviços públicos, mas a um peculiar princípio de comando em cadeia, implicando um especial dever de obediência; – O uso de armamento (e armamento com características próprias, de utilização vedada aos cidadãos e aos agen- tes públicos em geral) no exercício da função e como modo próprio desse exercício; – O princípio do aquartelamento, ou seja, o agrupamento dos seus agentes em unidades de intervenção ou ope- racionais dotadas de sede física própria e de um particular esquema de vida interna, unidade a que os respetivos membros ficam em permanência adstritos, com prejuízo, para a generalidade deles, da possibilidade (e do direito) de utilização da residência própria; – A obrigatoriedade, para os seus membros, do uso de farda ou de uniforme; A sujeição dos mesmos a particulares regras disciplinares e, eventualmente, jurídico-penais”. Anote-se, de resto, que esta é, também, a exata compreensão que o legislador infraconstitucional tem dos índi- ces característicos da condição militar. Na verdade, ao legislar sobre as bases gerais do estatuto da condição militar, diz a referida Lei n.º 11/89, de 1 de junho:

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