TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
198 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL não assumem caráter inovatório, pelo que não procede a imputação de inconstitucionalidade por violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República. 8. Mais controversa se apresenta a questão da delimitação da noção de militares para efeitos da exceção prevista no n.º 3 do artigo 27.º da Constituição [alínea c) desse preceito constitucional, na redação vigente ao tempo da edição das normas em causa; alínea d) do mesmo preceito, na redação vigente quer no momento da aplicação da sanção, quer atualmente]. Pelas razões já referidas, não sofre dúvidas que a pena disciplinar de detenção cabe (materialmente) na autorização para impor pena de “prisão disciplinar”. É um minus como pena detentiva, relativamente à prisão disciplinar ou à prisão disciplinar agravada [Note-se, todavia, que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (acórdão Engel ) não considera que, no contexto característico da organização e atividade militar, uma medida disciplinar desta natureza ( light arrest ) constitua privação da liberdade para efeitos do artigo 5.º da Convenção – cfr. Irineu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição, p. 39]. Assim, o que importa averiguar é se os “militares” a quem pode ser impostas penas desta natureza são, apenas, os membros dos três ramos das Forças Armadas (Exército, Marinha, Força Aérea) ou, também, os membros de outros corpos sujeitos, segundo a lei ordinária, à condição militar. O recorrente invoca, a favor da interpretação mais restrita do âmbito subjetivo de aplicação da exceção, argumentos de natureza histórica e sistemática. Portugal formulou uma reserva ao texto da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) no sentido de o respetivo artigo 5.º não obstar à prisão disciplinar imposta a militares em conformidade com o Regulamento de Disciplina Militar [artigo 2.º, alínea a) , da Lei n.º 65/78, de 13 de outubro ] . Mas a mesma ressalva não constava do texto originário da Constituição, relativamente ao princípio consagrado no artigo 27.º, suscitando dúvidas de constitucionalidade a possibilidade de imposição administrativa de tais penas. Veio a ser incluída na Lei Fundamental em 1982, com inspiração no projeto pessoal de revisão constitu- cional de Jorge Miranda ( Um projeto de revisão constitucional, Coimbra Editora, Coimbra, 1980, p. 32) ao propor o aditamento de uma alínea com o seguinte teor: «prisão disciplinar imposta a militares, sem prejuízo do recurso para o tribunal competente» . Justificando a proposta, escrevia o Autor que «a prisão disciplinar imposta a militares (artigos 27.º e 28.º do RDM de 1977) não parece encontrar hoje fundamento no artigo 27.º da Constituição, embora tenha sido objeto de uma das estranhas reservas à Convenção Europeia dos Direitos do Homem [artigo 2.º, alínea a) , da Lei n.º 65/78, de 13 de outubro]. É esse fundamento que se pretende formular, com a indispensável garantia de recurso jurisdicional». Em sentido diverso opinavam A. Barbosa de Melo, J. M. Cardoso da Costa e J. C. Vieira de Andrade ( Estudo e projeto de revisão da Consti- tuição, Coimbra Editora, Coimbra, 1981, p. 49) quando referiam que «não se exceciona, no n.º 3, a prisão disciplinar prevista no Regulamento de Disciplina Militar por se entender que esta sanção atenta contra os princípios constitucionais, devendo, por essa razão, ser abolida e não garantida como exceção». Acabou por ser acolhida a proposta de Jorge Miranda. Resulta dos trabalhos parlamentares que, embora com generali- zadas reticências dos deputados intervenientes no debate quanto à desejabilidade da opção, procurou dar-se cobertura a uma realidade prática e normativa da instituição militar. Todavia, se é certo que alguns dos intervenientes nesses debates se referem expressamente às Forças Armadas, não é menos certo que nenhuma referência se colhe no sentido de que só o âmbito de aplicação do regime disciplinar aos militares dos três ramos procurou preservar-se. Embora possa inferir-se dessas intervenções que, para os deputados que se pronunciaram especificamente, esse era o âmbito subjetivo mais vivamente presente, o debate não se centra numa necessidade organizatória específica das Forças Armadas de tal modo que possa dizer-se que só para esses militares foi concebida a exceção. O que moveu o legislador constituinte foi a falta de cobertura constitucional para a aplicação de uma pena disciplinar privativa da liberdade por via administrativa prevista no Regulamento de Disciplina Militar. De modo que, se algum argumento pode extrair-se das circunstâncias históricas da inclusão da exceção da atual alínea d) do n.º 3 do artigo 27.º na Constituição, é no sentido de que procurou cobrir-se todo o âmbito de aplicação de prisão
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