TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
19 acórdão n.º 179/12 21.º Com efeito, o tipo legal de crime e os respetivos elementos não podem ser configurados de modo a promover a inércia do Ministério Público, exigindo, em consequência, a ação do arguido. 22.º A conformação constitucional das garantias penais e processuais penais exige justamente o contrário: a atuação do Ministério Público à charge et a décharge e a faculdade, não autoincriminadora, de inação do arguido. 23.º Poder-se-ia questionar se não deveria a norma ser interpretada no sentido de caber ao Ministério Público a prova da licitude da origem. 24.º Contudo, tal interpretação não corresponde à letra da lei, uma vez que o elemento do tipo legal de crime defi- nido é “sem origem lícita determinada”. Bastaria, nesse caso, afirmar “sem origem lícita”. Esta configuração do tipo criminal parece afastar a necessidade de prova pelo Ministério Público da licitude. 25.º A referida interpretação conduziria, de resto, ao resultado de forçar o Ministério Público a uma prova da não proveniência de origem lícita – inexistindo, como é evidente, uma enumeração taxativa de origens lícitas de bens. 26.º Uma tal conceção que assentasse na existência de uma lista de fontes lícitas seria, de resto, contrária ao princí- pio da legalidade em geral e, em particular, ao princípio da tipicidade da lei penal. Com efeito, de acordo com este princípio, os destinatários da norma devem poder identificar as condutas que o legislador qualifica como ilícitas; não o contrário, aquelas que, por não serem lícitas, passariam, automaticamente, a ser ilícitas. 27.º O crime de enriquecimento ilícito não encontra, no modo como está definido no Decreto, paralelo nos siste- mas penais próximos do Português. 28.º Com efeito, não obstante ter consagração, tal como referido nos trabalhos preparatórios, na Convenção das Nações Unidas contra a corrupção, o crime em causa encontra naquela Convenção uma configuração muito distinta. 29.º Assim, o artigo 20.º da Convenção contém uma recomendação aos Estados partes para que, no respeito pela sua Constituição e direito internos, considerem a possibilidade de adotar medidas legislativas de incriminação de funcionário público por enriquecimento ilícito. 30.º Deste modo, a Convenção não determina um modelo concreto de crime de enriquecimento ilícito nem, tão- -pouco, exige a inversão do ónus da prova – bem ao contrário, remete a definição do crime em concreto para o direito interno dos Estados, no respeito pelas respetivas Constituições.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=