TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

184 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Esta posição obriga à valoração direta da norma em causa pelo princípio da proteção da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa). Mas também entendo que tal princípio não resulta violado, pois não estão reunidos os pressupostos aplicativos da proteção da confiança. Desde logo porque não é inteiramente seguro que o interesse em investigar a paternidade a todo o tempo tivesse passado a gozar de tutela jurídica pelo simples facto de ter perdido eficácia a norma que fixava o prazo de dois anos (n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil), por força da declaração de inconstituciona- lidade, proclamada pelo Acórdão n.º 23/06. Não era de afastar a hipótese de o operador judiciário, perante um sistema de regras de determinação da filiação onde continuaram em vigor prazos de caducidade (inclu- sivamente no âmbito do mesmo artigo 1817.º, para as ações de investigação) considerasse que estávamos perante um transitório vácuo legislativo, a preencher dentro do “espírito do sistema”. Nessa medida, e no contexto muito particular desta concreta sucessão de leis no tempo, não será líquido que tenha havido uma mutação desfavorável da ordem jurídica, quando, pelo contrário, é certo que o legislador introduziu um regime de prazos mais favorável do que o anteriormente fixado no artigo 1817.º, e não apenas no que se refere ao prazo-regra do n.º 1. Mesmo que assim se não entenda, o que não sofre dúvida é a inexistência de qualquer expectativa legí- tima de continuidade da não fixação legislativa de qualquer prazo. A decisão de inconstitucionalidade do Acórdão n.º 23/06 foi tomada por razões atinentes à exiguidade do prazo de dois anos e ao seu termo inicial, logo nesse aresto se deixando patente que o regime de não caducidade não era a única alternativa pensável. Não obstante as posições que propugnavam esse regime, defendidas por alguns autores e sufragadas por algumas decisões judiciais, pode dizer-se que essa era uma questão em aberto, não tendo suporte a ideia de que os interessados não podiam contar com um regime de prazos do tipo do que foi estabelecido pela Lei n.º 14/2009. É quanto basta para se excluir qualquer lesão ao princípio da proteção da confiança. Por tudo, fui de opinião que a norma impugnada não é, em si mesma, constitucionalmente descon- forme. – Joaquim de Sousa Ribeiro Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República , II Série, de 27 de fevereiro de 2012. 2 – Os Acórdãos n. os 23/06, 164/11 e 285/11 estão publicados em Acórdãos , 64.º, 80.º e 81.º Vols., respetivamente.

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