TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
182 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do Decreto n.º 2, de 25 de dezembro de 1910, que admitia que a ação de investigação de filiação pudesse ser ainda intentada no ano seguinte à morte dos pretenso progenitor, mas sim uma lacuna legislativa que importava preencher, desde logo pelos tribunais, nos termos do artigo 10.º, n.º 3, do Código Civil (vide, neste sentido, Remédio Marques, em A ação declarativa à luz do Código revisto , p. 290, nota 1, edição de 2007, da Coimbra Editora). O facto do Supremo Tribunal de Justiça (vide os Acórdãos de 14 de dezembro de 2006, 31 de janeiro de 2007, 23 de outubro de 2007, 17 de abril de 2008 e 3 de julho de 2008), em resultado duma errada lei- tura do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/06, ter entendido que o juízo de inconstitucionalidade abrangia qualquer prazo de caducidade que se estabelecesse, pelo que as ações de investigação de paterni- dade, durante este período, foram consideradas imprescritíveis, não é suficiente para que se possa considerar que durante o período que antecedeu a aprovação da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, vigorou um regime de absoluta imprescritibilidade do direito ao reconhecimento judicial da paternidade. Estamos apenas perante pronúncias jurisprudenciais, com efeitos limitados aos casos concretos onde foram proferidas, cujo sentido é irrelevante para a caracterização da intervenção do legislador em 1 de abril de 2009. Quando foi aprovada a Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, existia uma lacuna legislativa quanto ao prazo- -regra de caducidade das ações de investigação de paternidade, a qual era suscetível de ser preenchida através de integração, nos termos do artigo 10.º, n.º 3, do Código Civil. O legislador com a aprovação da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, supriu essa lacuna, alterando a redação do artigo 1817.º do Código Civil, de modo a criar um novo sistema de prazos de caducidade. Conforme se escreveu no Acórdão n.º 401/11, deste Tribunal: «(…) esta reforma legislativa não se limitou a alongar a duração dos prazos de caducidade constantes daquele preceito, mas pôs fim ao funcionamento autónomo de um prazo de caducidade “cego” que corria inexorável e inin- terruptamente, independentemente de poder existir qualquer justificação ou fundamento para o exercício do direito. Na verdade, apesar do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, aplicável às ações de investigação da pater- nidade, por remissão do artigo 1873.º, do mesmo Código, manter que esta ação só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos 10 anos (na nova redação) posteriores à sua maioridade ou emancipação, o n.º 2, do mesmo artigo, dispôs que se não fosse possível estabelecer a maternidade em consequência de constar do registo maternidade determinada, a ação já podia ser proposta nos três anos seguintes à retificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório; e no n.º 3 que a ação ainda podia ser proposta nos três anos poste- riores à ocorrência de algum dos seguintes factos: a) ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante; b) quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe; c) e em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação. Como resulta do advérbio “ainda” introduzido no corpo deste número, é manifesto que os prazos de três anos referidos nos n.º 2 e 3 se contam para além do prazo fixado no n.º 1 do artigo 1817.º não caducando o direito de proposição da ação antes de esgotados todos eles. Isto é, mesmo que já tenham decorrido dez anos a partir da maioridade ou emancipação, a ação é ainda exercitável dentro dos prazos previstos nos n. os 2 e 3; inversamente, a ultrapassagem destes prazos não obsta à instauração da ação, se ainda não tiver decorrido o prazo geral contado a partir da maioridade ou emancipação. Do confronto do regime anterior com o atual, sobressai a inovadora previsão de um fundamento genérico de abertura de prazos específicos para a proposição da ação de investigação, não contando apenas, para esse efeito, o conhecimento do escrito onde seja declarada a maternidade/paternidade e a cessação do tratamento como filho. Onde anteriormente se previam, de forma fechada e taxativa, duas causas de concessão de prazos que, excecionalmente, poderiam legitimar o exercício da ação para lá dos dois anos posteriores à maioridade ou emancipação, passou a acolher-se, através de autênticas cláusulas gerais, como dies a quo, a data em que se verifique “ o conhecimento de… factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação”.
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