TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

178 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. No entanto, para além de estar então em causa unicamente o limite temporal de dois anos previsto pela anterior redação do artigo 1817.º do Código Civil para as ações de investigação da maternidade e paternidade, o certo é que a ratio decidendi do aresto se anco- rou na circunstância de o dito prazo começar a correr a partir da verificação de um facto puramente objetivo, desligado de circunstâncias pessoais do interessado. A tese adotada no Acórdão n.º 23/06 não se radicou, portanto, na ideia da desconformidade constitucional da previsão de um qualquer prazo de caducidade neste tipo de ações, sendo por isso irrazoável admitir que tivesse gerado uma expectativa séria quanto à inconstitu- cionalidade da existência de qualquer prazo. Aliás, o próprio Acórdão n.º 23/06 sublinhou a possibilidade de o legislador criar novos prazos para a investigação da maternidade e paternidade, ao ponderar: «(...) são possíveis (…) alternativas, quer ligando o direito de investigar às reais e concretas possibilidades investigatórias do pretenso filho, sem total imprescritibilidade da ação (por exemplo, prevendo um dies a quo que não ignore o conhecimento ou a cognoscibilidade das circunstâncias que fundamentam a ação), quer para obstar a situações excecionais, em que, considerando o contexto social e relacional do investigante, a invocação de um vínculo exclusivamente biológico possa ser abusiva, não sendo de excluir, evidentemente, o tratamento destes casos-limite com um adequado “remédio” excecional». Esta jurisprudência liga-se ao entendimento do Tribunal de que o legislador não estava impedido de fixar prazos de caducidade no que toca às ações de investigação de paternidade/maternidade, conforme decorre, por exemplo dos Acórdãos n.º 451/89 ( Diário da República, II Série, n.º 218) e n.º 446/10 (dispo- nível no site do Tribunal). A intervenção do legislador no sentido da introdução de novos prazos de caduci- dade das ações de investigação da filiação nunca poderia ser configurada como uma normação inesperada. A expectativa corresponde a uma esperança fundada em probabilidade séria; pelas razões expostas, não pode afirmar-se que a decisão e os fundamentos do Acórdão n.º 23/06 fossem adequados a gerar a «expectativa» de que as ações de investigação da paternidade e maternidade deixariam, por imposição constitucional, de estar sujeitas a prazos de caducidade. 4. Alega o recorrente Ministério Público que “o que importará, para efeito de avaliar a consequência real da entrada em vigor da mesma lei, é a interpretação que, do referido Acórdão n.º 23/06 deste Tribunal Constitucional, foi feita pela jurisprudência dos tribunais superiores portugueses, a começar pelo Supremo Tribunal de Justiça. Ora, sem margem para quaisquer dúvidas, a jurisprudência dos referidos tribunais supe- riores inclinou-se, inequivocamente – bem ou mal – para a conclusão de que o Acórdão n.º 23/06 tinha vindo permitir a legítima assunção de (já) não haver prazo de caducidade para a propositura de ações de investigação de paternidade ou maternidade. (…) Foi, assim, com estes dados, relativos à jurisprudência dos tribunais superiores, que o Autor da ação de investigação se viu confrontado, foi com base nesses dados que intentou a mesma ação, é, por isso, com base em tais legítimas expectativas, que a questão de constituciona- lidade terá de ser, agora, dirimida”. No entanto, mesmo perante uma jurisprudência – de resto, não consolidada – do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que as ações de investigação da paternidade não estariam sujeitas a qualquer prazo, não pode afirmar-se que tal jurisprudência houvesse criado um verdadeiro critério normativo, cuja existência estaria vedada pelo n.º 3 do artigo 10.º do Código Civil. É certo que alguma doutrina admite que a juris- prudência assume o papel de fonte mediata de Direito, na medida em que seja capaz de influenciar as demais fontes imediatas de Direito (assim, Oliveira Ascensão, O Direito – Introdução e Teoria Geral, 1995, Coimbra, pp. 304 a 322; Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 2005, Coim- bra, pp. 266 a 269). Porém, se é certo que o princípio do Estado de direito implica a proteção da confiança relativamente a atos jurisdicionais, essa dimensão do princípio da proteção da confiança jurídica apenas tem sido entendida como dizendo respeito ao caso julgado, id est , em relação à estabilidade definitiva das deci- sões judiciais. Ora, como refere J. J. Gomes Canotilho, “(…) é diferente falar em segurança jurídica quando

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