TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
177 acórdão n.º 24/12 2. A Lei n.º 14/2009 criou um novo regime de prazos aplicável às ações de investigação da maternidade e paternidade, alterando os artigos 1817.º e 1842.º do Código Civil. Nos termos do artigo 3.º, esse novo regime legal de prazos aplica-se aos processos pendentes à data da entrada em vigor dessa lei: «Artigo 3.º Disposição Transitória A presente lei aplica-se aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor.» É esta a disposição cuja conformidade constitucional é contestada. No caso que deu origem ao Acórdão n.º 285/11 discutia-se a aplicação da nova redação dada por essa lei ao artigo 1817.º do Código Civil a um processo que se encontrava pendente à data da entrada em vigor dessa mesma lei. O tribunal recorrido considerou que o artigo 3.º da Lei n.º 14/2009 era inconstitucional enquanto determinava a aplicação dos novos prazos previstos no artigo 1817.º do Código Civil a um pro- cesso pendente, iniciado em data posterior ao Acórdão n.º 23/06 do Tribunal Constitucional, publicado em 8 de fevereiro de 2006 ( Diário da República , I Série-A, n.º 28). O fundamento invocado foi a violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, previsto no artigo 2.º da Cons- tituição, por se tratar de uma norma retroativa e violadora das legítimas expectativas dos cidadãos, criadas face ao entendimento que passou a ser seguido pelos tribunais superiores de que a declaração de inconstitu- cionalidade com força obrigatória geral emitida pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/06 tinha implicado a supressão de todos os prazos das ações de investigação da maternidade e da paternidade. Tal, porém, não foi o entendimento perfilhado pelo Tribunal no Acórdão n.º 285/11, que considerou que a norma do artigo 3.º da Lei n.º 14/2009 não era inconstitucional na referida dimensão. 3. Decorre da ampla jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o princípio da segurança jurídica que, para que a proteção da confiança seja tutelada constitucionalmente, é necessário, em primeiro lugar, que o legislador tenha promovido comportamentos capazes de gerar nos cidadãos a expectativa de continuidade de um determinado modelo jurídico. Ora, como se teve oportunidade de analisar no Acórdão recorrido, não se pode considerar ter existido um comportamento legislativo idóneo a criar expectativas merecedoras de proteção. Em causa estaria o entendimento de que as ações de investigação da paternidade (e da maternidade) teriam deixado, por força do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/06, de estar sujeitas a qualquer prazo, tese que, para este efeito, corresponderia a uma expectativa juridicamente tutelada. Mas tal não é certo. Conforme o Tribunal tem afirmado (Acórdão n.º 154/10), «[...] sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, para que esta última seja tute- lada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais: a) a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente prote- gidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).[...]» O referido Acórdão n.º 23/06 declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código, na medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos artigos 26.º, n.º 1, 36.º,
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