TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

174 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a previsão de tais prazos, bem como outros direitos (como, por exemplo, os da reserva de intimidade do pretenso pai), que também forneceriam justificações no mesmo sentido. O resultado da ponderação nem sempre foi o mesmo. Com efeito – e como bem lembra a decisão recorrida – enquanto nos Acórdãos n. os 99/88 e 413/89, por exemplo, o Tribunal entendeu que havia razões justificativas da proprositura dos concretos prazos que aí estavam em juízo, já noutras decisões ( v. g. Acórdãos n. os 486/04 e 11/05) se decidiu que o prazo de dois anos [a contar da data de maioridade ou emancipação do investigante] se afigurava desproporcionadamente estreito, face aos “outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” que, na matéria, deveriam ser salvaguardados pelo legislador. É, pois, neste contexto que veio a ser proferido o Acórdão n.º 23/06, atrás referido, em que o Tribunal decide declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, na medida em que previa, para a caducidade do direito a investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante. A decisão fundou-se na violação das disposições conjugadas dos artigos 26.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição. 9. Como já se sabe, não está em juízo, no presente caso, o específico prazo de dez anos [após a maioridade ou emancipação do investigante] que o legislador, através da nova redação dada pela Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, ao n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, veio perentoriamente instituir para a propositura de ações de investigação da maternidade – e, assim, por força do artigo 1873.º do mesmo Código, também para as ações de investigação da paternidade –, em “resposta” à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral proferida pelo Tribunal no Acórdão n.º 23/06, quanto ao anterior prazo de dois anos. Agora, a questão que se coloca é outra. Posto que é objeto do recurso o disposto na norma transitória constante do artigo 3.º da Lei de 2009 (que, recorde-se, manda aplicar o regime nela fixado aos processos pendentes no momento da sua entrada em vigor), cabe ao Tribunal decidir se é ou não constitucionalmente proibida a atribuição de efeitos retroativos ao novo regime, legalmente fixado, de caducidade das ações de investigação da paternidade. 10. A Constituição não impõe que o legislador ordinário fixe apenas para o futuro os efeitos das suas decisões. Situações há, aliás, em que a atribuição, por lei, da eficácia retroativa aos novos regimes que nela se prevejam cor- responderá à melhor forma de prosseguir interesses públicos e de tutelar posições jurídicas subjetivas. No entanto, e como bem se sabe, este princípio conhece limites. Um deles é o que decorre da ideia de Estado de direito, constante do artigo 2.º da CRP, e da proteção, aí ínsita, da legítima confiança que os cidadãos depositam na continuidade da ordem jurídica. Outro é o que decorre das proibições expressas, e pontuais, de retroatividade das leis, que a CRP não deixa de prever nos artigos 29.º, n.º 1, 103.º, n.º 3 e 18.º, n.º 3. É certo que um e outro (o limite, não escrito, decorrente da proteção da confiança, e o limite, escrito, decorrente da expressa proibição de retroatividade) se não relacionam entre si através de uma lógica de oposições. Se a CRP proibiu expressamente, em certas circunstâncias, a existência de leis retroativas, fê-lo porque considerou que, nelas, os valores de segurança inscritos no princípio do Estado de direito (e que induzem à proteção da confiança das pessoas quanto à razoável previsibilidade das mudanças operadas pelo legislador) devem sempre prevalecer sobre quaisquer outros direitos ou interesses que sejam constitucionalmente protegidos. Assim, perante uma proibição constitucional expressa da retroatividade das leis, torna-se inútil a averiguação do preenchimento do “teste” da proteção da confiança, teste esse que, para todos os efeitos, já foi efetuado e decidido pelo próprio legislador constituinte. Independentemente da questão de saber como é que, em abstrato, se deve definir a restrição legislativa de direitos fundamentais, e como é que, em tese, se deve distinguir entre legislação restritiva e legislação (meramente) conformadora, certo é que, pelas razões atrás expostas, os prazos, legalmente fixados, da caducidade das ações de investigação da paternidade podem, em si mesmos, vir a afetar negativamente, e de forma intensa, posições jurídi- cas subjetivas constitucionalmente tuteladas. A circunstância de a lei prever um certo prazo para a caducidade da ação de investigação pode ter como con- sequência a impossibilidade, para o investigante, de vir a constituir o vínculo de paternidade ao qual aspira. Assim

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