TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

173 acórdão n.º 24/12 (…) entrada em vigor [da lei] (2 de abril de 2009) as alterações (fixação) dos prazos de caducidade das ações de investigação da paternidade, quando essas ações tenham sido intentadas anteriormente à Lei n.º 14/2009 e pos- teriormente à publicação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/06 (08/02/2006) e conduzam, em sede de aplicação do referido diploma, à constatação do esgotamento (no “passado”) desse prazo e à consequente invia- bilização do prosseguimento dessas ações pendentes à data da entrada em vigor desse mesmo Diploma.” É que, acrescenta-se, tal projeção retroativa “frustra intoleravelmente a confiança depositada pelo proponente da ação – confiança precisamente o levou a propor essa ação – num entendimento perfeitamente consolidado e indiscutível, segundo o qual a propositura dessa ação não estaria sujeita a qualquer prazo.” Vejamos, pois. 8. Em geral, tem o Tribunal entendido que as normas de direito ordinário que estabelecem prazos para a inter- posição de ações em tribunal não infringem qualquer norma ou princípio constitucional, na medida em que apenas revelam escolhas legítimas do legislador quanto aos vários modos pelos quais podem ser prosseguidos os diferentes valores constitucionais inscritos, em última análise, no artigo 20.º da CRP. Foi o que sucedeu, por exemplo, no caso do Acórdão n.º 247/02, em que estava em juízo a norma do Código de Processo Penal que estabelecia, perentoriamente, o prazo de um ano [contado a partir do momento em que o detido ou preso fora libertado ou a partir do momento em que fora definitivamente decidido o processo penal respetivo] para a apresentação de pedidos de indemnização contra o Estado, por privação da liberdade ilegal ou injustificada. Entendeu o Tribunal que não era inconstitucional a norma em juízo, por se inscrever no âmbito da livre conformação do legislador ordinário quanto aos termos por que se deve ordenar o processo devido em Direito. O mesmo sucedeu (ainda por exemplo) no caso do Acórdão n.º 310/05, em que estava em juízo norma do Código de Processo Civil que impunha um prazo de cinco anos, contados desde o trânsito em julgado da deci- são, para interposição de recurso de revisão. Também neste caso se emitiu juízo de não inconstitucionalidade, por se entender que a conformação legislativa de prazos [ aqui, para a interposição de recurso], não afetando por si mesma, e de forma negativa, qualquer posição jurídica subjetiva constitucionalmente tutelada, e sendo antes concretização do princípio de segurança que justifica a proteção constitucional do caso julgado, se inscrevia ainda na liberdade que o legislador detém para ordenar de forma côngrua o decurso de processos perante os tribunais. Em matéria de fixação legal de prazos para a interposição de ações de investigação da paternidade tem sido porém diversa a posição do Tribunal. Na verdade, desde o Acórdão n.º 99/88 se diz que a subordinação da ação de investigação da paternidade a prazos de propositura apresenta contornos tais que nela não podem deixar de estar coenvolvidos vários outros princípios constitucionais, para além dos geralmente constantes do artigo 20.º da CRP ou da tutela da segurança jurídica. É o que decorre do seguinte passo da fundamentação, sempre recordado pela jurisprudência ulterior sobre o tema: “ Não se afigura questionável que, seja do direito à integridade pessoal, e em particular à integridade ‘moral’ (artigo 25.º, n.º 1), seja do direito à ‘identidade pessoal’, pode e deve extrair-se um verdadeiro direito fundamental ao conheci- mento e ao reconhecimento da paternidade. De facto, a ‘paternidade’ representa uma ‘referência’ essencial da pessoa (de cada pessoa), enquanto suporte extrínseco da sua mesma ‘individualidade’ (quer ao nível biológico, e aí absoluta- mente infungível, quer ao nível social) e elemento ou condição determinante da própria capacidade de autoidentifi- cação de cada um como ‘indivíduo’ (da própria consciência que cada um tem de si); e, sendo assim, não se vê como possa deixar de pensar-se o direito a conhecer e a ver reconhecido o pai (…) como uma das dimensões dos direitos constitucionais referidos, em especial do direito à identidade pessoal, ou uma das faculdades que nele vai implicada.” Assim, e por se entender que a circunstância de a lei prever um prazo de caducidade para a ação de investigação poderia ter, em si mesma, consequências negativas quanto ao exercício deste direito “de conhecer e pertencer ao pai cujo é” (Acórdão n.º 99/88), toda a jurisprudência ulterior do tribunal que sobre o tema incidiu adotou uma estrutura argumentativa baseada no método da ponderação. Colocado, nomeadamente, perante a redação dada pelo legislador de 1966 ao n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, o Tribunal procedeu a juízos de ponderação: por um lado, pesaram-se os efeitos que os prazos de caducidade das ações de investigação da paternidade produ- ziriam em posições jurídicas subjetivas, constitucionalmente tuteladas (como as decorrentes dos artigos 25.º, 26.º e 36.º da CRP); por outro lado, pesaram-se as razões objetivas, nomeadamente as de segurança, que justificariam

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