TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

165 acórdão n.º 21/12 Por isso, embora a direção do inquérito seja da incumbência do Minis­tério Público e não de um juiz, quando nesta fase se mostre necessário praticar quaisquer atos instrutórios que possam restringir severamente direitos funda­mentais, deve ser um juiz a decidir a sua realização, na sua veste de “juiz das liberdades”. Isto porque a independência da magistratura judicial e o seu maior distanciamento em relação à atividade inves- tigatória, lhe confere uma maior dis­ponibilidade funcional e psicológica para, com objetividade, decidir os limites toleráveis do sacrifício dos direitos fundamentais em favor do interesse da realiza­ção da justiça penal. Na interpretação normativa aqui sindicada está apenas em causa o reconhecimento ao Ministério Público da competência para ordenar a separação de processos, na fase de inquérito, sem necessidade de qualquer intervenção de um juiz, com o fundamento que a cone­xão de processos representa um grave risco para a pretensão punitiva do Estado para o interesse do ofendido ou do lesado [artigo 30.º, n.º 1, alínea b) , do Código de Pro­cesso Penal], ou quando essa conexão possa retardar excessivamente o julgamento de qual- quer dos arguidos [artigo 30.º, n.º 1, alínea c) , do Código de Processo Penal]. Afastados deste julgamento de constitucionalidade encontram-se os casos em que a separação de processos visa assegurar direitos ou liberdades do arguido, designadamente o não prolongamento da prisão preventiva, os quais se encontram abrangidos pela previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo Penal. A separação de processos na fase de inquérito apenas tem repercussões diretas no âmbito do objeto da investigação de um determinado processo penal, uma vez que com essa medida se retira desse âmbito determinada factualidade com relevância criminal, a qual passa a ser investigada num outro processo que, para esse efeito passa a correr autonomamente. Com esta decisão apenas cessa a investigação conjunta de diferentes crimes, passando a investigação dos mesmos a ser efetuada em processos com uma tramitação independente. Mas o termo da unidade processual não determina por si só qualquer medida que afete os direitos fundamentais do arguido, podendo este continuar a exercer em todos os processos todos os direitos de defesa que lhe assistem, incluindo o direito ao recurso. Se a separação de processos pode resultar num acréscimo de incómodos ou no retardamento do desfecho dos processos abertos na sequência da separação, há que ter presente que não assiste ao arguido qualquer garantia constitucional no sentido da sua responsabilidade criminal por diferentes comportamentos ser apu­ rada conjuntamente, mantendo-se a aplicação de todos os prazos que visam asse­gurar uma decisão definitiva em tempo útil. Por isso, se a separação de processos pode não ser conveniente aos interesses estratégicos da defesa do arguido, pelos mais variados motivos, não se vê de que forma possa contender com o núcleo dos direitos, liberdades e garantias deste, de forma a que seja constitucionalmente exigível que essa decisão tenha que ser tomada por um juiz. 3.3. O recorrente quando refere que essa medida põe em causa o direito ao recurso, implicitamente também acusa a interpretação sindicada de impedir que a própria decisão que determina a separação de processos seja recor­rível, o que resultaria numa violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constitui­ção. Uma vez que o Tribunal Constitucional não está limitado na sua aprecia­ção pelos parâmetros constitu- cionais indicados pelo recorrente (artigo 79.º-C da Lei do Tribunal Constitucional), cumpre dar resposta a esta alegação. Sendo entendimento uniforme deste Tribunal que a garantia constitucio­nal do recurso não abrange todas as decisões tomadas no processo penal, mas apenas as decisões penais condenatórias e as que tenham como consequência a privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais do arguido (vide, neste sentido, entre outros, os Acórdãos n. os 31/87, 178/88, 300/98, 216/99, 471/00, 30/01, 463/02 e 235/10, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) , aí não se incluindo, como se acabou de se verificar, a decisão que determina a separação de processos em fase de inquérito, também não se pode considerar que o critério normativo sindicado viole esse direito constitucional do arguido.

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