TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
164 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL o direito ao recurso, pelo que, por uma razão de reserva ou necessidade de controlo jurisdicional, o juiz é o único que pode assegurar a defesa das garantias do arguido. Conclui, assim, que a interpretação normativa seguida pela decisão recorrida ofende o disposto no n.º 4 do artigo 32.º da Constituição. Vejamos se assim é. Dispõe esta norma constitucional que “Toda a instrução é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a prática dos atos instrutórios que se não prendam diretamente com os direitos fundamentais”. Se a intenção original da Constituição de 1976 foi a de atribuir exclusivamente a um juiz a direção da investigação preliminar à acusação (vide o Diário da Assembleia Constituinte , n.º 38, de 28 de agosto de 1975, pp. 1049-1052), as dificuldades práticas de aplicar integralmente esta exigência (sinais dessas dificuldades foram os sucessivos diplomas que procuravam soluções para colmatar a falta de juízes para assegurar essa nova competência, como os Decretos-Lei n.º 321/76, de 4 de maio, n.º 618/76, de 27 de julho, n.º 354/77, de 30 de agosto, e n.º 377/77, de 6 de setembro) e as discussões sobre a constitucionalidade da figura do inqué- rito preliminar sob a direção do Ministério Público, entretanto criado pelo Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de novembro, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 377/77, de 6 de setembro (vide, Rui Pinheiro/Artur Maurício, em Constituição e o Processo Penal , pp. 35-88, da 2.ª edição, do Rei dos Livros, Germano Marques da Silva, em “Da inconstitucionalidade do inquérito preliminar”, na Scientia Iuridica , tomo XXI, p. 325, João Castro e Sousa, em A tramitação do processo penal , e os Pareceres da Comissão Constitucional n.º 6, de 5 de maio de 1977, n.º 39, de 6 de outubro de 1977, e n.º 49 de 23 de novembro de 1977, publicados em Pareceres da Comissão Constitucional , respetivamente nos vols. 1 e 4) conduziram a que na 1.ª Revisão Constitucional de 1982 se reformulasse o texto do artigo 32.º, n.º 4, passando a nova redação a facilitar uma leitura que restrin gisse essa exigência a uma fase instrutória facultativa, sob a égide do contraditório, posterior a um inquérito investigatório, onde apenas seria necessário que um juiz interviesse nos atos instrutórios que se prendessem diretamente com direitos fundamentais, conferindo ao legislador ordinário inteira liberdade para atribuir a outra entidade a direção da investigação que precede a dedução da acusação (foi esta leitura que efetuaram, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.º 7/87, em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9.º Vol., p. 7, n.º 23/90, em 15.º Vol., p. 119, n.º 334/94, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 436, p. 96) , n.º 517/96, acessível em www.tribunalconstitucional.pt , n.º 610/96, em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33.º Vol., p. 841, n.º 694/96, acessível em www.tribunalconstitucional.pt , n.º 581/00, em Acórdãos do Tribunal Consti- tucional, 48.º Vol., p. 587, e 395/04, em Acórdãos do Tribunal Constitucional , 59.º Vol., p. 595). Esta modificação permitiu, assim, ao legislador do Código de Processo Penal de 1987 atribuir, sem grandes resistências, ao Ministério Público, cujo estatuto constitucional é o de uma magistratura autónoma, na qual vai implicada a obrigação de se mover por critérios de objetividade e imparcialidade, a competência para dirigir a investigação preliminar, prevendo, contudo, a possibilidade de ser requerida uma posterior fase instrutória, presidida por um juiz de instrução criminal, de controlo do despacho que encerra o inquérito. Mas o disposto no artigo 32.º, n.º 4, da Constituição, quanto aos atos processuais que possam ofender direitos fundamentais de qualquer pessoa, também exige a intervenção de um juiz, não só pelo seu estatuto de independência, mas também pela sua distância relativamente à atividade investigatória. Assim, o processo penal tem necessariamente de permitir a intervenção do juiz de instrução criminal em todos os atos instrutórios que possam afetar negativamente direitos fundamentais, de modo a cumprir-se a exigência contida no artigo 32.º, n.º 4, da Constituição. Nesse domínio, existe uma reserva de juiz até onde se revele necessária para proteção efetiva dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos (sobre esta reserva de juiz, vide Anabela Rodrigues, em “A jurisprudência constitucional portuguesa e a reserva do juiz nas fases anteriores ao julgamento ou a matriz basicamente acusatória do processo penal”, em XXV anos de jurisprudência constitu- cional portuguesa , pp. 47 e segs., da edição de 2009, da Coimbra Editora, e Fátima Mata-Mouros, em Juiz das Liberdades. Desconstrução de um mito do processo penal , pp. 29 e segs., edição de 2011, da Almedina).
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