TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
153 acórdão n.º 20/12 Sobre o estatuto jurídico do recluso estabelece o artigo 6.º do CEPMPL que o recluso «mantém a titu- laridade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da sentença condenatória ou da decisão de aplicação de medida privativa da liberdade e as impostas, nos termos e limites do presente Código, por razões de ordem e de segurança do estabelecimento prisional». Mantém-se, assim, atual, a afirmação de Figueiredo Dias ( Direito Penal Português , Parte Geral – II, As Consequências Jurídicas do Crime , Lisboa, 1993, pp. 111-112) – emitida a propósito do correspondente artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 265/79 – segundo a qual a visão do recluso «é agora a de uma pessoa sujeita a um mero “estatuto especial”, jurídico- -constitucionalmente credenciado (CRP, artigo 27.º, n.º 2) e que deixa permanecer naquela a titularidade de todos os direitos fundamentais, à exceção daqueles que seja indispensável sacrificar ou limitar (e só na medida em que o seja) para realização das finalidades em nome das quais a ordem jurídico-constitucional credenciou o estatuto especial respetivo». No caso vertente, estamos perante uma dessas restrições aos direitos do preso, legalmente previstas e justificadas pelas exigências próprias da execução da pena. Trata-se do regime de segurança, previsto no n.º 1 do artigo 15.º do CEPMPL, que estabelece que o «recluso é colocado em regime de segurança quando a sua situação jurídico-penal ou o seu comportamento em meio prisional revelem, fundamentadamente, perigosi- dade incompatível com afetação a qualquer outro regime de execução». A aplicação a um recluso do regime de segurança não constitui, obviamente, uma modificação da pena em que aquele foi condenado por sentença judicial (a pena em causa continua a ser a pena de prisão). Antes traduz uma das três modalidades de execução dessa pena de prisão (cfr. o artigo 12.º, n.º 1, do CEPMPL), que implica maiores restrições na esfera jurídica do recluso, uma vez que a execução da pena privativa da liberdade em regime de segurança «decorre em estabelecimento ou unidade prisional de segurança especial e limita a vida em comum e os contactos com o exterior, admitindo a realização de atividades compatíveis com as particulares necessidades de manutenção da ordem e da segurança de bens jurídicos pessoais e patri- moniais» (n.º 4 do artigo 12.º). No presente recurso, não está em causa a legalidade desta medida nem a proporcionalidade da sua aplicação ao recluso, aqui recorrente. O que se questiona é a necessidade de tutela judicial do recluso, isto é, a possibilidade, negada pelo acórdão recorrido, de este impugnar judicialmente a decisão de aplicação (no caso, de manutenção) do regime de segurança. 10. É sabido que a decisão em causa é da competência do diretor-geral dos Serviços Prisionais e que tem que ser fundamentada (n.º 4 do artigo 15.º do CEPMPL). Esta decisão é depois comunicada ao Ministério Público junto do tribunal de execução de penas para “verificação da legalidade” (n.º 6 do artigo 15.º). O processo de verificação da legalidade encontra-se regulado nos artigos 197.º a 199.º do CEPMPL e prevê, além do mais, que o Ministério Público possa impugnar a decisão que lhe foi comunicada, requerendo a sua anulação [artigo 199.º, alínea b) ]. Mas nem o dever de fundamentação (que, aliás, sempre decorreria do dever geral de fundamentação dos atos administrativos e que aqui assume forma agravada, por se tratar de um ato restritivo de “liberdades”), nem a “verificação da legalidade” da decisão a cargo do Ministério Público, com a inerente possibilidade de, por iniciativa exclusiva deste, o ato ser sindicado pelo tribunal, podem funcionar como garantias substituti- vas do direito à tutela judicial que assiste ao próprio recluso, em cuja esfera jurídica se vão produzir os efeitos potencialmente lesivos do ato. Pode dizer-se que o direito do recluso à tutela judicial – na vertente de garantia de impugnação judicial de quaisquer atos administrativos que o lesem – decorre do artigo 268.º, n.º 4, da Constituição, na medida em que o recluso, pelo simples facto de o ser, não perde a sua posição de administrado, mantendo-a, em princípio, com um “âmbito normativo idêntico ao dos outros cidadãos” (cfr. ponto 10. supra ). Pode também perspetivar-se a intervenção do poder jurisdicional na execução como decorrência da garantia constitucional do direito de acesso ao direito e aos tribunais, estabelecido no artigo 20.º da Cons- tituição (em defesa do reforço daquela intervenção, com fundamento nesta garantia constitucional, vide
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