TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

152 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 8. Considerando as citações de acórdãos do Tribunal Constitucional efetuadas, quer na decisão recor- rida, quer nas alegações das partes, importa salientar a novidade da questão que é objeto deste recurso, em que está em causa a impugnabilidade judicial, junto do tribunal de execução de penas, de uma decisão dos serviços prisionais. Embora o Tribunal Constitucional já tenha apreciado questões com pontos de contacto com a que é objeto do presente recurso, fê-lo em casos que suscitaram problemas e convocaram parâmetros constitucio- nais distintos, não sendo por isso pertinente a invocação dessa jurisprudência. Assim, no Acórdão n.º 496/96, citado na decisão aqui recorrida (que não julgou inconstitucional a norma do artigo 678.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, enquanto aplicável à condenação em multas pro- cessuais de montante inferior a metade da alçada do tribunal recorrido), estava em causa o direito ao recurso no âmbito de um processo judicial. E no Acórdão n.º 638/06 (que julgou inconstitucional a norma do artigo 127.º do Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de outubro, na parte em que não admite o recurso das decisões que neguem a liberdade condicional) estava em causa o direito ao recurso jurisdicional de uma decisão judicial (a decisão judicial que nega a liberdade condicional), ou seja, as garantias de defesa no processo criminal, incluindo o direito ao recurso, consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. Diversamente, no caso em apreço está em causa o direito de aceder (pela primeira vez) aos tribunais para impugnar um ato da administração penitenciária. Resta dizer que o Acórdão n.º 427/09, incidente, em fiscalização preventiva da constitucionalidade, sobre normas do Decreto n.º 366/X, da Assembleia da República, que aprovava o novo Código da Execução das Penas, não se debruçou sobre questão similar à que aqui nos ocupa. 9. A questão de constitucionalidade aqui colocada suscita problemas relativos ao modo de execução da pena privativa da liberdade, ou seja, em termos mais gerais, à denominada “posição jurídica do recluso”. É, assim, diretamente convocável o disposto no n.º 5 do artigo 30.º da Constituição, segundo o qual «[O]s condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurança privativas da liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respetiva execução». Desta norma constitucional extraem-se três consequências: i) o recluso permanece titular de todos os seus direitos fundamentais; ii) a restrição destes direitos fundamentais pressupõe sempre uma lei, que obede- cerá aos princípios estabelecidos no artigo 18.º da Constituição: e iii) a restrição tem que ter por fundamento o sentido da condenação e as exigências próprias da execução (assim, Damião da Cunha in Jorge Miranda/ Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , I, 2.ª edição, Coimbra, 2010, p. 690). Ou seja, o princípio geral é o de que o preso mantém todos os direitos e com um âmbito normativo de proteção idêntico ao dos outros cidadãos, salvo, evidentemente, as limitações inerentes à própria pena de prisão (vide Gomes Canotilho/ Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , I, 4.ª edição, Coimbra, 2007, p. 505). Mas às limitações inerentes à privação da liberdade ( maxime a impossibilidade de deslocação) podem acrescer outras limitações, desde que justificadas pela própria execução da pena ( v. g. , limites à liberdade de correspondência ou de reunião). Estas imposições ou restrições têm que estar justificadas em função do “sentido da condenação” e das “exigências próprias da respetiva execução” (n.º 5 do artigo 30.º). Ou seja, estão subordinadas a um princípio de legalidade (exigem previsão legal) e de proporcionalidade (adequação e necessidade). É unânime o entendimento de que está constitucionalmente negado conceber a relação presidiária (e a posição jurídica do recluso nessa relação) como uma “relação especial de poder” (cfr. Gomes Canotilho/ Vital Moreira, ob. cit. , p. 505; e Damião da Cunha, ob. cit. , p. 690). Essa “relação de poder” foi substituída por «relações jurídicas com recíprocos direitos e deveres», em que o recluso não é mais “objeto” mas passou a ser «sujeito da execução» (Anabela Rodrigues, Novo Olhar Sobre a Questão Penitenciária , 2.ª edição, Coimbra, 2002, p. 69).

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=