TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

136 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ou seja, o legislador pode redefinir a organização administrativa dos serviços públicos, no sentido de reordenar ou mesmo reconstruir as carreiras dos funcionários. No entanto, em atenção os princípios da boa fé e da tutela das expectativas, deverá assegurar mecanismos substitutivos ou compensatórios da reestruturação, ou mesmo da extinção dos postos de trabalho anteriormente existentes. Tudo isto significa, por um lado, que o legislador ordinário deve construir um sistema de promoções que garanta o reconhecimento objetivo da dedicação do trabalhador à causa pública, permitindo-lhe a progressão na carreira. Isso não obsta, por outro lado, a que o legislador introduza alterações na estruturação dos serviços públi- cos e na evolução profissional, em termos de categorias, dos funcionários. Caso opte por reestruturar as carreiras dos funcionários, sempre deverá respeitar as situações constituídas e ter em conta as legítimas expectativas dos funcionários.» Da jurisprudência acabada de transcrever decorre que o legislador goza de ampla liberdade para estrutu- rar as carreiras da função pública. Poder-se-á afirmar, por isso, que a proteção constitucional de progressão na carreira não implica a imposição de a lei ordinária prever uma evolução na carreira do funcionário caracteri- zada pela sistemática melhoria do seu estatuto remuneratório. O que decorre dessa garantia constitucional é que a progressão na carreira ocorra com direito às promoções profissionais que a lei determinar no momento em que se verificam os requisitos pessoais para tal necessários. Cabe, por isso, na margem de liberdade do legislador prever – ou não prever – um sistema de progressão na carreira “automático”, que opere por mero decurso do tempo, pois é bem certo que a Constituição não impõe que o direito de acesso à função pública, do qual decorre o direito a progredir na carreira, tenha de ser assegurado através de um mecanismo de melhoria – automática, por antiguidade – da respetiva remuneração. Aliás, apenas a progressão entendida como mudança de escalão, de índice remuneratório, e não como mudança de categoria e acesso na carreira, foi suspensa pelo n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto. A referida norma não eliminou, assim, as outras formas que o Decreto-Lei n.º 184/89 e o Decreto- -Lei n.º 353-A/89 previam para os funcionários, agentes e demais servidores no Estado evoluírem na carreira. Não assiste razão ao recorrente, em suma, ao invocar a violação do n.º 3 do artigo 18.º da Constituição. A norma não reveste natureza retroativa, pois não pode, pelas razões já expostas, considerar-se fixado na ordem jurídica o direito de progressão na carreira, desde o momento em que o funcionário nela ingressa e nos termos em que, nesse momento, a lei a prevê. 9. O recorrente invoca ainda que o referido congelamento da progressão retributiva constitui uma redu- ção «totalmente inesperada do “vencimento real” para todos os docentes do ensino superior e investigadores que, por uma questão de dias, deixam de usufruir de novo nível de remunerações a que poderiam legitima- mente aspirar e com o qual contavam para prover às suas necessidades e dos seus familiares». OTribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado que o princípio do Estado de direito democrá- tico (consagrado no artigo 2.º da Constituição) postula uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas. Não obstante, de forma a respeitar a liberdade conformativa do legislador, necessária para que possa res- ponder às necessidades de interesse público que a cada momento se façam sentir, não é possível entender que qualquer normação inovadora possa considerar-se violadora do princípio da segurança jurídica na vertente analisada. Isso só sucederá em relação a uma normação “que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático”. No Acórdão n.º 287/90 (publicado in Diário da República, II Série, de 20 de fevereiro de 1991), o Tribunal Constitucio- nal procurou concretizar quando ocorria uma afetação inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa, de expectativas jurídicas, apontando dois critérios:

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