TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
110 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL se inscrevam, não sendo fundamentais, não gozam da especial proteção contra a lei que só é dispensada às posições jusfundamentais. Contudo, a garantia constitucional do património privado, que a CRP prevê no n.º 1 do artigo 62.º, obriga o legislador ordinário a organizar procedimentos e a erigir instituições que, pertencendo embora ao universo do direito infraconstitucional, se mostrem capazes de propiciar aos credores meios eficientes de satisfação dos seus créditos. Esta obrigação do legislador ordinário – de pôr à disposição dos credores instru- mentos jurídicos eficientes que possibilitem a satisfação dos créditos – torna-se particularmente acentuada no direito da insolvência, ao qual cabe densa responsabilidade na garantia da fluidez do tráfego jurídico. Mas a verdade é que nada disto basta para que, à luz da garantia constitucional do património, se censure a escolha que o legislador fez no artigo 146.º, n.º 2, alínea b) , do CIRE. A possibilidade eficiente de satisfação dos direitos de crédito levou o legislador a prever a ação de verificação ulterior de créditos, a intentar em apenso ao processo de insolvência mas uma vez já findo o prazo designado para as reclamações. Nenhuma norma constitucional obrigava o legislador a prever este específico meio processual, e a pô-lo à disposição dos credores. No âmbito da sua liberdade de conformação, o legislador escolheu fazê-lo, tendo em mente que o seu objetivo precípuo era – precisamente em obediência à ordem objetiva de regulação que a Constituição lhe endereça no artigo 62.º – “a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores.” No entanto, e porque esse objetivo precípuo não consistia na satisfação de certos e determinados crédi- tos mas na máxima realização possível de todos eles, de modo a garantir a fluidez do tráfego jurídico, o legis- lador estabeleceu também limites à possibilidade de verificações tardias de créditos, não reclamados durante o prazo geral. Essa limitação traduziu-se no prazo de caducidade da “ação de verificação ulterior de créditos”, que a alínea b) do n.º 2 do artigo 146.º do CIRE consagra. Face à garantia constitucional do património, e à obrigação objetiva, que dela decorre, para o legislador ordinário, de pôr à disposição dos credores instrumen- tos jurídicos eficientes que permitam a realização dos seus créditos, nenhuma censura merece esta solução legislativa. Ela é justificada pelo facto de a regulação do processo de insolvência dever ser razoavelmente ordenada, não apenas em ordem à máxima realização possível de todos os créditos, mas também em ordem à máxima celeridade possível da tramitação processual, de forma a garantir a fluidez do tráfego. 7. Nada disto se altera pelo facto de o prazo de caducidade da ação de verificação ulterior de créditos, previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 146.º do CIRE, se contar desde a data em que transitou em julgado a sentença declaratória da insolvência, ainda que não seja essa a data em que o credor reclamante teve, dessa sentença, efetivo conhecimento. O artigo 36.º do CIRE determina que, na sentença que declara a insolvência, o juiz designe prazo, até 30 dias, para a reclamação de créditos [alínea j) ; e o artigo 37.º que sejam citados por edital os credores que se não contem entre os cinco maiores conhecidos, ou que residam habitualmente (ou tenham domicílio ou sede) em outros Estados membros da União Europeia. Enquanto estes últimos são notificados da sentença que declarou a insolvência por meio de carta registada (n. os 3 e 4 do artigo 37.º do CIRE), os restantes são citados por edital “com prazo de dilação de cinco dias, afixado na sede, nos estabelecimentos da empresa e no próprio tribunal e por anúncio publicado no Diário da República ” (n.º 7 do artigo 37.º do CIRE)]. Perante a inexequibilidade de uma notificação pessoal de todos os credores, aliás dificilmente compa- tível com as exigências, constitucionalmente tuteladas, de celeridade processual, o regime legal escolheu o meio da citação edital de certos credores como instrumento de publicitação da sentença declaratória da insolvência. Nada permite concluir que esse regime acarrete, para os seus destinatários, ónus excessivos, que, não podendo razoavelmente ser cumpridos, tragam consigo medidas desproporcionadamente lesivas de quaisquer situações jurídico-subjetivas fundamentais, sejam elas as que decorrem do artigo 20.º ou do artigo 62.º da CRP. Por outro lado, nada permite concluir que esse regime de publicitação da sentença, que declara a insolvência e designa o prazo para a apresentação das reclamações de créditos, coloque em situação de desigualdade constitucionalmente censurável os credores assim citados e os outros, para os quais a lei previu
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