TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

104 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da justiça. É, assim, uma garantia da independência e da imparcialidade dos tribunais (artigo 203.º da Consti- tuição). Designadamente, a exigência de determinabilidade do tribunal a partir de regras legais (juiz legal, juiz predeterminado por lei, gesetzlicher Richter ) visa evitar a intervenção de terceiros, não legitimados para tal, na administração da justiça, através da escolha individual, ou para um certo caso, do tribunal ou do(s) juízes cha- mados a dizer o Direito. Isto, quer tais influências provenham do poder executivo – em nome da raison d’État – quer provenham de outras pessoas (incluindo de dentro da organização judiciária). Tal exigência é vista como condição para a criação e manutenção da confiança da comunidade na administração dessa justiça, “em nome do povo” (artigo 202.º, n.º 1, da Constituição), sendo certo que esta confiança não poderia deixar de ser abalada se o cidadão que recorre à justiça não pudesse ter a certeza de não ser confrontado com um tribunal designado em função das partes ou do caso concreto. A garantia do “juiz natural” tem, assim, um âmbito de proteção que é, em larga medida, configurado ou conformado normativamente – isto é, pelas regras de determinação do juiz “natural”, ou “legal” (assim G. Britz, ob. cit, p. 574, Bodo Pieroth/Bernhard Schlink, Grundrechte II , 14.ª edição, Heidelberg, 1998, p. 269). E, independentemente da distinção no princípio do juiz legal de um ver- dadeiro direito fundamental subjetivo de dimensões objetivas de garantia, pode reconhecer‑se nesse princípio, desde logo, uma dimensão positiva, consistente no dever de criação de regras, suficientemente determinadas, que permitam a definição do tribunal competente segundo características gerais e abstratas”. Ora (e prescindindo da referência a outros problemas que para a hipótese em apreciação não relevam e que são versados no referido acórdão), nenhum risco para este princípio assim entendido comporta uma norma como a do n.º 2 do artigo 384.º do CPP na dimensão a que foi recusada interpretação. A competência para o despacho em causa encontra-se predeterminada por lei geral e abstrata. É competente o tribunal de instrução que, segundo os fatores de conexão relevantes, o seria para proferir despacho da mesma natureza e conteúdo em qualquer outro tipo de processo, sem possibilidade de atuação de qualquer dos sujeitos pro- cessuais ou de terceiros que conduza à manipulação ou determinação discricionária do tribunal ou tribunais que hão de intervir no processo. Para que se considere observado o princípio do “juiz natural” é suficiente a existência de regras que permitam a definição do tribunal competente segundo características gerais e abstra- tas, sendo indiferente que essa norma opte pelo “tribunal de instrução” ou pelo tribunal que seria competente para o julgamento se o processo houvesse de chegar a tal extremo. 6. Decisão Pelo exposto, concedendo provimento ao recurso, decide-se: a) Não julgar inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 384.º do CPP, na redação dada pela Lei n.º 26/2010, de 30 de agosto, interpretada no sentido de que compete ao juiz de instrução proferir despacho sobre a suspensão provisória do processo quando o arguido tenha sido apresentado para julgamento em processo sumário e o Ministério Público entenda, com a concordância do arguido, que se justifica tal suspensão; b) Ordenar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o agora decidido quanto à questão de constitucionalidade. Lisboa, 11 de janeiro de 2012. – Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha (vencido quanto ao conhecimento pelos fundamentos da Decisão Sumária n.º 564/11, que subscrevi) – Ana Maria Guerra Martins (vencida quanto ao conhecimento pelas razões invocadas na Decisão Sumária n.º 564/11 do Exm.º Senhor Conselheiro Carlos Cadilha) – Gil Galvão. Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República, II Série, de 5 de março de 2012. 2 – O Acórdão n.º 614/03 está publicado em Acórdãos , 57.º Vol..

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