TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
103 acórdão n.º 7/12 5. Mas, mesmo que se entenda que não basta esta falência do pressuposto básico em que assenta a retórica argumentativa do despacho recorrido e se considere necessário analisar a relação da norma em causa com cada um dos princípios constitucionais invocados, ainda assim a improcedência dessa fundamentação é manifesta. 5.1. O artigo 203.º da Constituição dispõe que os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei. Sendo independentes em relação aos demais poderes do Estado, os tribunais também são independentes entre si, salvo as relações de hierarquia ou supraordenação dentro de cada categoria de tribunais (artigos 210.º, 212.º e 221.º da CRP). No caso, o atentado que o despacho recorrido vê ao princípio da independên- cia dos tribunais resultaria de a lei conduzir a que um tribunal se imiscua na prática de atos num processo que, segundo as regras gerais de organização judiciária, seria da competência de um outro tribunal. A independência dos tribunais materializa-se ou afere-se substancialmente pela independência dos res- petivos juízes. Na vertente que pode ser relevante, traduz-se no dever de julgar apenas segundo a Constituição e a lei, sem sujeição a quaisquer ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso pelos tribunais superiores. Como dizem G. Canotilho e V. Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , Vol. II, 4.ª edição, Coimbra , 2010, p. 514 , a independência dos tribunais e respetivos juízes “convoca várias dimensões densificadoras da liberdade à independência no julgar: (i) liberdade contra injunções ou instruções de quaisquer autoridades; (ii) liberdade de decisão perante coações ou pressões des- tinadas a influenciar a atividade de jurisdictio ; (iii) liberdade de ação perante condicionamento incidente sob a atuação processual; (iiii) liberdade de responsabilidade, pois só ao juiz cabe extrinsecar o direito a obter a solução justa do feito submetido à sua apreciação”. Ora, é manifesto que a circunstância de a competência para proferir despacho relativamente a determi- nada matéria, numa causa penal que não chegou a ser submetida ao juiz de julgamento pertencer a outro juiz é indiferente ao poder (ou ao dever) de o tribunal supostamente privado da competência julgar sem sujeição a qualquer ordens ou instruções. O juiz de instrução, ao dar ou negar a sua concordância à suspensão provisória do processo, não dá qualquer ordem nem afeta ou influi em qualquer julgamento que, no caso concreto, o juiz do tribunal de pequena instância criminal devesse proferir. Não pode, pois, considerar-se violados os artigos 202.º e 203.º da Constituição. 5.2. Igualmente ostensiva é a improcedência da argumentação desenvolvida com base no artigo 211.º da Constituição. O n.º 2 do artigo 211.º permite que na primeira instância dos tribunais judiciais haja tribunais com competência específica e tribunais especializados para julgamento de matérias determinadas. Independente- mente do sentido que deva conferir-se a esta distinção e que não interessa dilucidar, esta previsão não confere valor constitucional às normas de organização judiciária que, ao seu abrigo, tenham repartido a competên- cia entre os diversos tribunais judiciais. E, por outro lado, também não reserva esse conteúdo para as leis especificas de organização judiciária, proibindo que as leis de processo se ocupem da matéria, porventura derrogando pontualmente o que daquelas resultaria. Deste modo, independente do mérito da solução adotada pelo n.º 2 do artigo 384.º do CPP, não é pos- sível retirar desta norma constitucional qualquer vinculação do legislador quanto a saber se a concordância com a suspensão provisória do processo deve competir ao juiz de instrução ou ao tribunal do julgamento ou que proíba a lei de processo de se ocupar ela própria dessa matéria. 5.3. Finalmente, também não procede a argumentação de que a norma em causa viola o princípio do “juiz legal” ou do “juiz natural”, consagrado no n.º 9 do artigo 32.º da Constituição. Como se disse no Acórdão n.º 614/03, “(…) o princípio do ‘juiz natural’, ou do ‘juiz legal’, para além da sua ligação ao princípio da legalidade em matéria penal, encontra ainda o seu fundamento na garantia dos direitos das pessoas perante a justiça penal e no princípio do Estado de direito no domínio da administração
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=