TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

102 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal (CP), o arguido apresentou-se ao Ministério Público junto do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto. O Ministério Público, obtida a concordância do arguido, optou nos termos dos artigos 384.º e 281.º do CPP, pela suspensão provisória do processo pelo período de oito meses impondo algumas injunções/regras de conduta e ordenou a remessa do expediente ao Tribunal de Instrução Criminal do Porto, para aí ser proferido despacho de concordância. Nesse tribunal foi declinada a competência, nos termos já referidos.   Está, pois, em causa a norma do n.º 2 do artigo 384.º do CPP interpretado no sentido de que compete ao juiz de instrução criminal proferir despacho sobre a suspensão provisória do processo quando o arguido tenha sido apresentado para julgamento em processo sumário e o Ministério Público entenda, com a concor- dância do arguido, que se justifica essa suspensão. 4. A decisão recorrida considera inconstitucional a norma em causa por violação dos artigos 202.º (função jurisdicional), 203.º (independência dos tribunais), 210.º, n.º 2 e 211.º, n.º 2 (competência e especialização dos tribunais judiciais) e 32.º, n.º 9 (princípio do juiz natural) da Constituição. Vislumbra todas estas descon- formidades com a Constituição a partir de um comum pressuposto: o de que a norma recusada permite subtrair ao tribunal competente para o julgamento em processo sumário uma causa que já lhe estava afeta. Ora, este pressuposto é insubsistente. Na dimensão normativa em apreciação – como adverte o Minis- tério Público, outras situações com as correspondentes hipóteses normativas são configuráveis, colocando problemas específicos que aqui não cumpre apreciar – o processo encontra-se na chamada “fase pré-judicial” do processo sumário, em que o Ministério Público exerce importantes poderes processuais, aliás reforçados pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto e pela Lei n.º 26/2010, de 30 de agosto (cfr. Paulo Pinto de Albuquer- que, Comentário do Código de Processo Penal , 4.ª edição, p. 992). Com efeito, o arguido detido que deva ser julgado em processo sumário é apresentado (ou apresenta-se, quando tenha sido previamente libertado com essa notificação) ao Ministério Público (n.º 1 do artigo 382.º do CPP). O Ministério Público, depois de interrogar o arguido se o julgar conveniente, apresenta-o ao juiz para sujeição a julgamento em processo sumário, acompanhado de um ato acusatório formal ou equivalente (n.º 2 do artigo 382.º do CPP). Mas também pode, sem contar com a faculdade de realização de diligências essenciais à descoberta da verdade, introduzida pela Lei n.º 26/2010, optar pelo arquivamento imediato ou diferido dos autos ou pela tramitação sob a forma de processo comum ou abreviada, se não estiverem reuni- dos os pressupostos para julgamento em processo sumário ou se justificar a dispensa de pena ou a suspensão provisória do processo (P. Pinto de Albuquerque, loc. cit., p. 993 ). Assim, como quer se classifique esta fase do procedimento, enquanto o Ministério Público não promover o julgamento em processo sumário, não pode dizer-se que a causa já estava afeta a um determinado tribunal, de modo a que corresponda a um discurso jurídico razoável convocar os princípios constitucionais relativas à organização e independência dos tribunais e a garantia inerente ao princípio do juiz natural pelo facto de o juiz chamado a intervir não ser o juiz que seria competente para o julgamento. Na verdade, para que tivesse sentido colocar uma questão de violação da independência dos tribunais ou de subtração da causa ao juiz designado por lei, seria, antes do mais, necessário que a pretensão punitiva já tivesse sido transmitida pelo Ministério Público ao juiz do tribunal competente para julgamento em processo sumário, de tal modo que viesse a ser privado desse concreto poder judicativo ou da inerente autonomia decisória por virtude da atribuição da com- petência em causa a um outro juiz. A circunstância de o processo ter dado entrada nos serviços administrativos do tribunal de pequena instância criminal – sejam eles da secretaria do Ministério Público ou na secretaria judicial desse tribunal – é, para este efeito, irrelevante. Poderá gerar dificuldades burocráticas quanto à com- petência para o processamento, mas não passa disso mesmo, de uma questão organizatória dos serviços de secretaria. Se o feito não chega a ser introduzido em juízo, não há risco de desconsideração da competência ou da independência do juiz respetivo. E os problemas que pode levantar a intervenção do juiz de instrução nas circunstâncias da hipótese normativa sujeita a apreciação são os mesmos que essa competência para o despacho de concordância com a suspensão provisória do processo em geral suscita e que não estão aqui em discussão.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=