TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
89 acórdão n.º 612/11 O Acórdão encontra essa justificação “na protecção constitucional do equilíbrio do mercado concorren- cial”. E, de facto, corresponde a uma das “incumbências prioritárias do Estado”, fixadas no artigo 81.º da CRP, “garantir a equilibrada concorrência entre as empresas” [alínea f ) ]. Para além dessa garantia, como modo de “assegurar o funcionamento eficiente do mercado” manda aquela norma “contrariar as formas de organização monopolistas” e “reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral”. Mas a ponderação global e integrada do conjunto destas indicações normativas é, desde logo, suficien- temente elucidativa de que não se teve em vista salvaguardar uma concorrência perfeita entre as empresas do sector social e do sector privado. O que se teve em mira foi refrear o poder económico privado e combater as práticas restritivas da concorrência que ele propicia. Ademais, essa incumbência tem que ser conjugada com a apontada em primeiro lugar, na alínea a) do artigo 81.º Aí se estabelece que incumbe ao Estado «promover o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas (…)». O que, só por si, pode justi- ficar um tratamento privilegiado das entidades que, perseguindo objectivos de solidariedade social, dão um contributo significativo para a consecução destes fins. De tudo resulta que, mesmo numa valoração restrita ao quadrante normativo da organização económi- ca, em que a garantia da concorrência se insere, esta não pode ser entendida como um valor prevalecente, em termos absolutos, tendo um alcance relativizado pela incidência de valores e interesses de outra ordem. Se considerarmos também o específico imperativo de apoio às instituições particulares de solidariedade social, enunciado no n.º 5 do artigo 63.º, reforça-se a convicção de que não tem suporte constitucional um tratamento perfeitamente igualitário das organizações empresariais que visam o lucro para apropriação privada e das entidades que, na realização do seu escopo de solidariedade social na área da saúde, prestam medicamentos. Não tem correspondência no desenho constitucional a defesa, que subjaz ao regime questio- nado e que o Acórdão também acolhe, de uma espécie de posição de neutralidade do legislador perante essas duas categorias distintas de sujeitos, sujeitando ambas ao livre jogo concorrencial, dentro de uma pura lógica de “disputa de mercado”. E, se esse juízo de desconformidade tem fundamento, com particular evidência, no que se refere às far- mácias sociais, que prestam assistência medicamentosa restrita aos beneficiários das instituições proprietárias [domínio a que se cingiu a declaração de inconstitucionalidade expressa na alínea a) da decisão], também o tem, a meu ver, no que toca às farmácias abertas ao público. Não pode dizer-se, como consta do Acórdão, que, quanto a estas, os entes sociais actuam “fora do espaço próprio do seu sector”. Há que ver, em primeiro lugar, que uma separação estanque dos dois campos é algo que cria obstáculos a uma eficiente satisfação dos interesses sociais abrangidos pelo escopo. A abertura ao público permite ganhar dimensão, com a consequente redução de custos, sem impedir a dispensa aos bene- ficiários, nessas mesmas farmácias, de medicamentos em termos diferenciados e condições mais vantajosas, em realização directa dos fins de solidariedade social. A exploração de uma farmácia, como exercício de uma actividade económica no mercado, contém-se ainda dentro do âmbito do escopo social, não apenas de forma indirecta e instrumental, como meio de angariação de proventos a canalizar para fins assistenciais, mas tam- bém como meio de facilitação do acesso das populações ao medicamento. Esta directa utilidade social – que, como vimos, justificou uma das excepções contempladas na Lei n.º 2125, quanto à titularidade das farmácias por não farmacêuticos – ganhou, aliás, um novo relevo, com a permissão de mobilidade das farmácias, que faz escassear a oferta do medicamento em certas zonas territoriais. De resto, a ideia de que o exercício de uma actividade económica no mercado por uma instituição de finalidade não lucrativa justifica, só por si, a imposição da forma jurídica societária leva-nos longe demais, pois deixa por explicar porque é que ela é obrigatória no sector farmacêutico e não na generalidade das outras áreas, em muitos casos de bem menor relevância social. Fica por apontar uma especialidade dos interesses envolvidos neste sector, a qual, de todo em todo, se não descortina. Com essa obrigatoriedade, o legislador fez o contrário do que o n.º 5 do artigo 63.º lhe impunha: em vez de apoiar e de conceder vantagens operativas às instituições de solidariedade social actuantes neste sector,
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