TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
87 acórdão n.º 612/11 DECLARAÇÃO DE VOTO Voto a presente decisão com o esclarecimento de que, ao contrário do que ocorria no caso tratado no Acórdão n.º 635/06, a actividade tutelada pela norma não envolve os riscos de saúde pública que, em meu entender, justificavam, naquele caso, a opção do legislador por uma solução restritiva do exercício dessa acti- vidade. Com efeito, a imposição às entidades do sector social da economia da forma de sociedade comercial para a mera titularidade da propriedade de farmácia restringe a actividade e o funcionamento das instituições de solidariedade social sem justificação válida, o que, face ao que dispõe o n.º 5 do artigo 63.º da Constitui- ção, é intolerável. – Carlos Pamplona de Oliveira . DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Ainda que a 1.ª parte do n.º 3 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto, enuncie a regra de que “as entidades do sector social da economia podem ser proprietárias de farmácias”, a ressalva contida na 2.ª parte da mesma norma (“desde que cumpram o disposto no presente decreto-lei”) obriga a uma articulação, além do mais, com o disposto no artigos 14.º, n.º 1, 47.º, n.º 2, e 58.º do mesmo diploma, do que resulta uma prescrição de alcance exactamente contrário: as entidades do sector social, não podem, enquanto tais, ser proprietárias de farmácias. O que elas podem é ser titulares de sociedades comerciais, so- ciedades estas que, por sua vez, nos termos gerais (n.º 1 do artigo 14.º), podem ser proprietárias de farmácias. Formulada pela positiva, o que avulta da regra, sistematicamente integrada, é a sua dimensão negativa, a proibição, sem qualquer excepção, de que uma pessoa colectiva que não revista a forma de sociedade comer- cial seja proprietária de farmácias. É precisamente a submissão das entidades do sector social que exercitem (ou queiram exercitar) activi- dades farmacêuticas a um regime geral, a um tratamento indiferenciado, em tudo análogo ao dispensado aos agentes mercantis que operem no sector, sem qualquer consideração pela natureza e as finalidades próprias dessas entidades, que suscita a questão de constitucionalidade decidida pelo presente Acórdão. Dentro da categorização tripartida dos sectores de propriedade dos meios de produção, estabelecida pelo artigo 82.º da CRP, o sector cooperativo e social compreende, nos termos do n.º 4, sujeitos diferenciados, de estrutura e finalidades heterogéneas. Tendo em conta a natureza da actividade aqui em causa, o regime do Decreto-Lei n.º 307/2007 contende muito particularmente (se não exclusivamente) com as pessoas colec tivas referenciadas na alínea d), ou seja, as “pessoas colectivas, sem carácter lucrativo, que tenham como principal objectivo a solidariedade social”. As instituições particulares de solidariedade social não são apenas objecto da garantia institucional, de existência e permanência, conferida pelo artigo 82.º Sem esquecer que a “protecção do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção” se conta entre os princípios fundamentais da organização económica do Estado [alínea f ) do artigo 80.º], o subsector das instituições de solidariedade social, enquan- to coadjuvante da acção estadual na prestação de serviços e fornecimentos de bens que efectivam direitos sociais, mormente os referidos no n.º 5 do artigo 63.º, é credor do apoio do Estado, como expressamente comina esta disposição. A obrigatoriedade de mediação da forma societária para o exercício da actividade farmacêutica contraria ambas as componentes normativas do estatuto constitucional desses entes. Há que ver se procedem razões constitucionalmente credenciadas para tanto. Com a garantia de coexistência dos três sectores – privado, público e social e cooperativo – não é apenas a uma permissão de titularidade que o Estado se vincula. Essa garantia importa a obrigação de respeito pelas características específicas de cada um deles, pelos traços identitários que lhes são próprios e que os distin- guem dos restantes. Ao impor a constituição de sociedades comerciais, para o exercício, em forma colectiva, da actividade farmacêutica, o regime questionado uniformiza as condições estruturais de organização e funcionamento
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