TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

85 acórdão n.º 612/11 (CRP): “O Estado apoia (…) a actividade e o funcionamento das instituições particulares de solidariedade social e outras de reconhecido interesse público sem carácter lucrativo”. Mas, por outro lado, o objectivo de impor a todos os operadores do mercado o respeito pelas regras da livre concorrência justifica, quando tal actividade farmacêutica seja realizada no mercado, a obrigatoriedade da constituição duma sociedade comercial para a ela aceder, o que, para aqueles entes sociais, se traduz na neutralização das vantagens que adviriam da sua condição de entidade social, e na onerosidade inerente. A protecção constitucional deste sector dos meios de produção não impede o legislador de, nestes casos, o submeter aos requisitos exigidos para os demais operadores, em nome da equilibrada concorrência entre agentes económicos. Assim sendo, numa actividade aberta ao mercado e à concorrência, esta solução de compromisso entre o apoio às entidades sociais e a igualdade de concorrência, não onera de forma imponderada as referidas entidades do sector social no acesso à titularidade de farmácias, encontrando justificação na protecção cons- titucional do equilíbrio do mercado concorrencial. 8. Proporcionalidade da limitação imposta no acesso do sector social à propriedade das farmácias e à actividade farmacêutica quando actuem no seu espaço próprio O que se deve, porventura, ainda questionar, na perspectiva do respeito pela proibição do excesso, é se, atendendo aos fins ambicionados, não será desproporcionada a imposição da forma societária enquanto requisito para que as entidades do sector social possam ser titulares de farmácias, mesmo quando, através delas,desejem prosseguir a actividade farmacêutica no seu espaço próprio, fora do mercado, sem fins lucra- tivos, com puros objectivos de solidariedade social. Com o intuito de proteger a livre concorrência, a imposição indiferenciada da obrigatoriedade da cons- tituição de sociedades comerciais – requisito para o acesso à actividade farmacêutica – retirou às entidades sociais a possibilidade de se dedicarem a tal actividade, enquanto entidades sociais (visando objectivos de solidariedade social, sem fins lucrativos), nas suas vestes próprias, e com os inerentes benefícios, mesmo quando essa actividade tenha lugar em circunstâncias não concorrenciais. Ainda que tal actividade se man- tenha circunscrita ao sector social, e se realize para exclusivo benefício dos seus utentes, sem concorrer com os restantes operadores, às entidades sociais é imposta a intermediação duma sociedade comercial para seu exercício. Ora, não se pode considerar como sendo uma medida respeitadora do princípio da proibição do exces- so, aquela que se traduz na imposição do ónus de os entes sociais constituírem artificiosamente sociedades comerciais, somando estruturas e custos, quando esse ónus, justificado com o objectivo de promover a con- corrência, e de colocar em pé de igualdade todos os operadores do mercado, se estenda às situações em que a actuação dos entes sociais tem lugar, precisamente, fora do mercado. Neste quadro, já será excessivo o legislador obrigar à constituição de sociedades comerciais.  Tal solução é desequilibrada, desde logo porque, quando a titularidade da farmácia e o correspondente exercício da actividade farmacêutica tenha lugar a favor dos beneficiários da entidade social, não concorrendo com os operadores no mercado, o objectivo de garantia da igualdade de concorrência perde razão justificati- va, sendo desajustada a imposição da forma jurídica societária. Nestas circunstâncias, o encargo de descaracterização imposto aos entes sociais quando actuem fora do mercado – resultante da obrigatoriedade da criação de sociedade comercial –, não encontra justificação consistente nos pretendidos objectivos de equilíbrio da concorrência. Se os entes sociais actuam fora do mercado, para cumprimento dos fins estatutários que lhes estão asso- ciados – e devendo, por isso, improceder a invocação da garantia da livre concorrência na modelação do seu regime de actuação –, o interesse público que realizam retoma a plenitude do seu peso. Inexistindo razões ponderosas que justifiquem a intermediação do formato societário, não lhes deve ser retirado um tratamento de favor que decorrerá da obrigação que o Estado tem de apoiar sector social (artigo 63.º, n.º 5, da CRP).

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=