TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

84 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL  O que resulta da solução imposta, é que estas entidades são obrigadas a desenvolver a actividade farmacêu- tica despidas das suas vestes próprias e sem as vantagens inerentes ao sector social. O que conduz a que tenha de se ponderar, como pediu o requerente, se tal solução não constituirá uma limitação excessiva, tendo em conta o objectivo de «salvaguardar a salutar concorrência entre farmácias» (preâmbulo do Decreto-Lei n.º 307/2007). Ora, cabe na liberdade de conformação legislativa a definição dos mecanismos utilizados para salvaguar- dar uma justa concorrência, incumbência prioritária do Estado no âmbito económico e social, com previsão no artigo 81.º, alínea f ), da Constituição, no qual se estabelece que o Estado deve: «assegurar o funciona- mento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas». Mas, no exercício dessa conformação, o legislador não pode desrespeitar, para além do admissível, a protecção devida ao sector social, que está obrigado a apoiar (artigo 63.º, n.º 5, da Constituição).  Com o Decreto-Lei n.º 307/2007, o legislador garantiu o exercício da actividade farmacêutica às enti­ dades do sector social. Mas quis o diploma assegurar que, no mercado, aberto e concorrencial, todos os operadores estivessem obrigados pelas mesmas regras. Com o intuito de garantir a igualdade no exercício da actividade farmacêutica entre as entidades do sector social e todos os restantes agentes do mercado farma- cêutico foi imposta a obrigação da intermediação de sociedade comercial. Com tal exigência, o legislador procurou o justo equilíbrio, permitindo, por um lado, o acesso das entidades sociais à titularidade das far- mácias, justificado por razões de interesse público, previstas no artigo 63.º, n.º 5, da Constituição. Mas, por outro lado, o legislador salvaguardou o princípio constitucional da igualdade de concorrência com os demais operadores, evitando, num cenário de disputa de mercado, as vantagens concorrenciais que resultariam da titularidade directa de farmácias pelas entidades sociais. A exigência da intermediação duma sociedade comercial, para que possam os entes sociais intervir no mercado farmacêutico, coloca-os em situação de igualdade face aos demais operadores da venda a retalho de medicamentos e de prestação de serviços farmacêuticos. Deste modo, o legislador uniformiza o regime a que estão sujeitos os titulares de farmácias, negando uma especial diferenciação às entidades sociais, que deixam de poder gozar do seu regime privilegiado. A adopção do formato jurídico da sociedade comercial neutraliza vantagens ou benefícios dos entes sociais relativamente aos restantes operadores. Embora essas formas de apoio do Estado ao sector social se alicercem em razões de interesse público, elas deixam de encontrar justificação quando os entes sociais actuemno mercado livremente concorrencial, fora do espaço próprio do seu sector. Pretendendo a lei garantir uma equilibrada concorrência – enquanto finalidade legítima em vista do quadro de valores constitucionalmente protegidos –, para tal desejando impor iguais condições para todos os intervenientes no mercado farmacêutico, então, a obrigação generalizada da forma de sociedade comercial, como forma comum, é um meio apto à prossecução daquela finalidade.  E não será, no entanto, uma medida desnecessária, se tivermos em conta que do n.º 3 do artigo 14.º sempre resultaria a sujeição ao regime fiscal das sociedades comerciais? A resposta é, igualmente, negativa: forçando à constituição de sociedades comerciais, o legislador não se vê obrigado a alterar todas as diferentes normas que distinguem as entidades do sector social (e não apenas do ponto de vista fiscal), somente para efeitos do exercício da actividade farmacêutica, no que sempre ficaria sujeito à contingência de lacunas e omissões. A obrigação de constituição duma sociedade comercial permite impor, em bloco, um mesmo regi- me a todos os agentes do mercado farmacêutico. Poderá duvidar-se, ainda, do equilíbrio da medida: estará a lei, ao promover a justa concorrência, a pon- derar devidamente (ou seja, do ponto de vista da sua proporcionalidade em sentido estrito) as finalidades do sector social, que justificam a sua existência e a especial protecção de que goza? Na verdade, o legislador, ao permitir que a actividade farmacêutica seja realizada através duma pessoa colectiva de que é titular uma entidade sem fins lucrativos, matricialmente ligada a objectivos de solidarieda- de social [artigo 82.º, n.º 4, alínea d) , da Constituição], abrindo-lhe a oportunidade de participação no mer- cado, a par com os demais operadores, contribui já para promover a prossecução dos seus fins de utilidade pública, o que certamente cabe no disposto no n.º 5 do artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa

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