TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

83 acórdão n.º 612/11 contornos, esta disposição consubstancia um dos princípios fundamentais da organização económica exarados no artigo 80.°, conferindo a esta o esqueleto que globalmente a enforma. A institucionalização dos três sectores, no mesmo plano, como estruturas necessárias do sistema económico constitucionalmente desenhado, atribui a este um carácter sui generis . O princípio da coexistência dos três sectores é de tal modo relevante, que ele faz parte do elenco dos limites materiais de revisão (artigo 288.°/f). » Haverá então uma violação da garantia institucional da coexistência dos três sectores − público, privado e social − consagrada no artigo 82.º da Constituição? O Decreto-Lei n.º 307/2007 veio liberalizar o mercado farmacêutico. Antes dele, nos termos da Lei n.º 2125, só os farmacêuticos e, dentro de certos condicionalismos, as entidades do sector social, podiam ser proprietários de farmácias. A generalidade das pessoas não tinha acesso à propriedade das farmácias. Ela estava reservada a farmacêuticos e a entidades do sector social. Agora, pelo contrário, admite-se que, para além dos farmacêuticos e das entidades do sector social (artigo14.º, n.º 3, primeira parte), toda e qualquer pessoa singular ou sociedade comercial possa ser proprie- tária de uma farmácia (artigo 14.º, n.º 1). Mas, quanto às entidades do sector social, exige-se que, para tal, elas constituam sociedades comerciais, ou seja, apenas se admite que sejam proprietárias das farmácias por intermédio de sociedades comerciais. De facto, segundo o Decreto-Lei n.º 307/2007, as entidades do sector social apenas poderão ser pro- prietárias de farmácias, não enquanto tal (enquanto entidades sem carácter lucrativo, vocacionadas para fins de solidariedade social), mas por intermédio de sociedades comerciais (ou seja, de pessoas colectivas que têm o lucro por finalidade). Haverá, em virtude da imposição da forma de sociedade comercial, uma exclusão das entidades do sector social do exercício da actividade farmacêutica, correspondendo este ónus, na prática, a uma reserva da actividade farmacêutica ao sector privado? E não se traduzirá isso mesmo numa violação da coexistência dos sectores? A obrigatoriedade da forma societária não significa, por si só, nem uma exclusão do sector social do exercício da actividade farmacêutica, nem uma reserva desta actividade ao sector privado. Na verdade, o sector social não é excluído do acesso à propriedade das farmácias, podendo a ela aceder, des- de que por intermédio dessa forma comum que é a forma de sociedade comercial. As entidades do sector social não foram objecto duma exclusão e podem aceder, ainda que apenas indirectamente, à titularidade de farmácias. Nenhum sector é excluído do acesso à propriedade das farmácias, não sendo a actividade farmacêutica reservada ao sector privado, pelo que não é posta em causa a coexistência dos sectores. Pelo contrário, a solu- ção permite a coexistência do sector privado e do sector social no mercado farmacêutico. A questão não é, pois, de acesso à titularidade das farmácias, visto que o sector social não é dele excluído, mas a da justificação objectiva da imposição do ónus de constituição de sociedades comerciais, a entidades do sector social que o legislador está obrigado a apoiar. Justificar-se-á este ónus, tendo em conta os fins que visa alcançar? 7. Proporcionalidade da limitação imposta no acesso do sector social à propriedade das farmácias e à actividade farmacêutica Questionou o Provedor de Justiça se a solução do Decreto-Lei n.º 307/2007, ao obrigar as entidades do sector social a actuarem através de sociedades comerciais para o exercício da actividade de farmácia, não padeceria de desproporcionalidade em vista dos fins que visa alcançar. Como se viu, das normas em apreciação não decorre a inibição do acesso pelas entidades do sector social à propriedade das farmácias e ao exercício da actividade farmacêutica típica, de dispensa de medicamentos e prestação de serviços farmacêuticos. Elas fixam uma condição para o acesso, que fica dependente da consti- tuição, por estas entidades, duma nova pessoa colectiva, sob a forma de sociedade comercial.

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