TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
82 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Apesar de as normas questionadas serem diversas, a lógica do pedido é comum (como o próprio facto de se invocarem inconstitucionalidades “consequentes” revela), partindo ele duma determinada interpretação. Segundo tal entendimento, o Decreto-Lei n.º 307/2007 veio obrigar as entidades do sector social da economia (as instituições particulares de solidariedade social e outras entidades de natureza semelhante) a constituírem sociedades comerciais para exercerem a actividade de farmácia, o que resultaria desde logo do artigo 14.º, n.º 1 (que estabelece que “podem ser proprietárias de farmácias pessoas singulares ou sociedades comerciais”), conjugado com o artigo 47.º, n.º 2, alínea a ) (que determina que constitui contra-ordenação “a propriedade da farmácia pertencer a pessoa colectiva que não assuma a forma de sociedade comercial”), com o artigo 58.º (que daria às entidades do sector social o prazo de 5 anos para procederem às adaptações ne- cessárias à sua equiparação às restantes pessoas colectivas proprietárias de farmácias e portanto às sociedades comerciais) e, ainda, com o preâmbulo do diploma que esclarece: “De facto, com o presente diploma impõe- -se a alteração da propriedade das farmácias que actualmente são detidas, designadamente, por instituições particulares de solidariedade social. No futuro, estas terão de constituir sociedades comerciais, em ordem a garantir a igualdade fiscal com as demais farmácias.” Ainda que o artigo 14.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 307/2007, preveja, na sua primeira parte, que “As entidades do sector social da economia podem ser proprietárias de farmácias (…)” - nenhuma norma do articulado da lei (mas apenas o preâmbulo) dizendo, directamente, que as entidades do sector social terão de constituir sociedades comerciais para serem titulares de farmácias - a conjugação deste n.º 3 com a nor- ma sancionatória do artigo 47.º, n.º 2, alínea a ), do diploma, e o preâmbulo, apontam, claramente, para o entendimento dado pelo Requerente às normas dos artigos 14.º, n.º 1, 47.º, n.º 2, alínea a ), e 58.º, do Decreto-Lei n.º 307/2007, interpretação essa que é também inequivocamente confirmada pelo órgão autor das normas, na sua resposta. O Requerente entende, pois, que são inconstitucionais os artigos 14.º, n.º 1, 47.º, n.º 2, alínea a), e 58.º, do Decreto-Lei n.º 307/2007, na medida em que impõem às entidades do sector social a constituição de sociedades comerciais para acesso à propriedade das farmácias. Ao formular a sua pretensão, o requerente, ao mesmo tempo que pede que o Tribunal Constitucional declare a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 14.º, n.º 1, e 47.º, n.º 2, alínea a) , e 58.º, pede também que seja declarada a inconstitucionalidade da norma contida na parte final do n.º 3 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 307/2007, pelas mesmas razões que justificariam a declaração de inconstitucio- nalidade quanto àqueles. Fá-lo por entender que neste segmento se obriga as entidades do sector social a submeterem-se ao mesmo regime fiscal que as sociedades comerciais previstas no n.º 1. 6. Garantia da coexistência dos sectores de propriedade dos meios de produção Resulta da leitura conjugada de diversos preceitos do Decreto-Lei n.º 307/2007 que este diploma impõe às entidades do sector social o ónus de constituírem sociedades comerciais caso pretendam aceder à proprie- dade de farmácias. Questiona, então, o Provedor de Justiça, se não estará posta em causa a garantia institucional da coexis- tência dos sectores de propriedade dos meios de produção (artigo 82.º da Constituição), uma vez que esta norma afectaria, em seu entender, o modo de intervenção no mercado de um desses sectores, o sector social, tal como definido no n.º 4. Deve começar por se realçar a importância desta garantia da coexistência dos sectores: ela é uma garan- tia central no quadro da organização económica. São a este respeito elucidativos Gomes Canotilho e Vital Moreira, ao comentarem o citado artigo 82.º da Constituição ( Constituição da República Portuguesa Anotada , Vol. I, 4.ª edição, pp. 975 e segs.): «É este um dos preceitos-chave da “constituição económica” configurada na CRP. Ao garantir a coexistência de três sectores económicos (n.° 1), com a mesma credencial constitucional, e ao delimitar com algum rigor os seus
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