TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
80 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O n.º 5 da Base II da Lei n.° 2125 permitia que as instituições de solidariedade social detivessem farmácias abertas ao público, mas apenas quando houvesse interesse público na abertura de farmácia em determinado local ou na manutenção da já existente, e não aparecessem farmacêuticos interessados na sua instalação ou aquisição. O regime jurídico anterior tratava pois com manifesto desfavor a dispensa de medicamentos pelas enti- dades do sector social da economia. O esvaziamento do papel do sector social na dispensa de medicamentos através de farmácias privativas, abertas ou não ou público, resultava evidente do regime jurídico então vigente e traduzia-se no diminuto número de farmácias em funcionamento. Ora, ao contrário do que sugere o requerimento do Senhor Provedor de Justiça, o novo regime jurídico das farmácias de oficina veio valorizar o sector social na dispensa de medicamentos e na prestação de serviços farmacêuticos. Em primeiro lugar, garante o acesso das entidades do sector social da economia à propriedade de farmá- cias, respeitado que seja o limite legal de quatro farmácias. Em segundo lugar, consente que às farmácias privativas existentes se aplique de imediato o regime insti- tuído pelo Decreto-Lei n.° 307/2007, permitindo-lhes assim vender medicamentos ao público. O legislador poderia ter mantido transitoriamente em vigor as regras da Lei n.° 2125 e do Decreto-Lei n.° 48547, sobre as farmácias privativas, e deixar que o decurso do tempo as extinguisse. Preferiu, no entanto, optar por uma solução legislativa que revitaliza globalmente o papel sector social na dispensa de medicamen- tos e na prestação de serviços farmacêuticos. E esta revitalização – ao contrário do inevitável esvaziamento que a legislação anterior desenhava – permite que as entidades do sector social da economia continuem a dispensar medicamentos, exclusivamente aos seus utentes, ou, também, os dispensem ao público em geral, permitindo ainda transferir a localização da farmácia. Com as soluções encontradas pela nova lei, procurou-se que a coexistência entre o sector privado e o sector social no mercado farmacêutico fosse norteada por uma equilibrada concorrência e não gerasse ou agravasse desigualdades. E, ao invés do que pretende o Requerente, o Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto, não viola o princípio da igualdade e, pelo contrário, garante a igualdade. De facto, nada de aleatório ou arbitrário se encontra no artigo 14.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 307/2007. Esta reforma − no sentido da liberalização da titularidade de farmácias − modifica um regime jurídico desadequado e injustificadamente limitador do acesso à propriedade, afastando as regras que a restringiam exclusivamente a farmacêuticos. A novidade da solução legislativa e a sensibilidade da matéria obriga a que se verifique um apertado controlo administrativo da propriedade que, na perspectiva do legislador, só se consegue com a titularidade das farmácias por pessoas singulares ou por sociedades comerciais. Esta é a razão da escolha legislativa, o que nada tem de aleatório. O requerimento do Senhor Provedor de Justiça insurge-se contra esta condição em relação à proprie- dade da farmácia porque entende que as entidades do sector social da economia são excluídas, enquanto entidades com a referida natureza, de exercerem a actividade de venda de medicamentos e demais serviços prestados pelas farmácias. Todavia, importa clarificar que as normas do diploma, cuja constitucionalidade é posta em causa, não obrigam as instituições particulares de solidariedade social ou outras entidades do sector social a transforma- rem-se em sociedades comerciais para, se quiserem, prosseguirem uma actividade de saúde. Diz-se, tão-só, que as entidades do sector social da economia devem, no futuro, constituir sociedades comerciais para explorar as farmácias; não se impõe, de forma alguma, que se transformem, elas próprias, em sociedades comerciais. Pode o Senhor Provedor de Justiça discordar da solução material constante do artigo 14.º, n.° 1, mas tal não é suficiente para que se justifique a intervenção do Tribunal Constitucional em sede de princípio da
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