TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
78 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL De igual forma, o legislador não pode, como pretende com a actual lei, vedar às instituições de solida- riedade social o direito à propriedade de farmácias, obrigando-as a “travestir-se” de sociedades comerciais se quiserem prosseguir uma actividade de saúde, com finalidades sociais, ou seja, não lucrativas. As normas impugnadas do Decreto-Lei n.º 307/2007 violam, também, o princípio da proporcionali- dade. De facto, a imposição de determinado estatuto jurídico – de sociedade comercial – às entidades do sector social proprietárias de farmácias não passa a exigência de proporcionalidade no confronto com as duas ordens de razões que, segundo o preâmbulo do diploma, motivaram o legislador a estabelecer a referida solu- ção legal: a possibilidade de ser efectivado um apertado controlo administrativo da titularidade das farmácias (uma vez que a titularidade das farmácias está quantitativamente limitada a um máximo de quatro por pessoa colectiva), e a salvaguarda da igualdade fiscal entre as entidades das mesmas detentoras. Desde logo, não se vislumbra de que modo essa imposição da forma de sociedade comercial possibi- lita um controlo administrativo mais eficaz da titularidade da propriedade das farmácias, designadamente tendo em vista a fiscalização do cumprimento da regra, ínsita no artigo 15.°, n.° 1, do mesmo Decreto-Lei n.° 307/2007, que obriga a que nenhuma entidade possa deter ou exercer, em simultâneo, directa ou indi- rectamente, a propriedade, a exploração ou a gestão de mais de quatro farmácias. Na verdade, sendo tarefa do Estado, atribuída pela Constituição designadamente no respectivo artigo 63.°, n.° 5 , a fiscalização, nos termos a concretizar na lei, da actividade e do funcionamento das institui- ções particulares de solidariedade social e de outras de reconhecido interesse público sem carácter lucrativo, tal atribuição fundamental do Estado, imposta pela Constituição, seria suficiente para permitir o controlo administrativo eficaz de que fala o legislador no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 307/2007. Também não cumpre o pressuposto da proporcionalidade o objectivo assumido pelo legislador de colo car em situação de igualdade fiscal todas as entidades proprietárias de farmácias, objectivo que tem natu ralmente implícitas preocupações que se associam à garantia da concorrência num mercado de iniciativa privada. Antes de mais, não se mostra tal solução adequada, na medida em que a questão da concorrência do sector social e cooperativo designadamente com o sector privado se porá, da mesma forma, em qualquer acti vidade económica, e não só na venda de medicamentos, no quadro próprio da existência e funcionamento destes sectores: o sector social, visando objectivos de solidariedade social; o sector privado, garantido pelo “funcionamento eficiente dos mercados”, através da “equilibrada concorrência entre empresas” [cfr. artigo 81.º, alínea f ), da Constituição]. A concorrência não obriga a que todas as pessoas que exerçam a mesma actividade assumam a mesma forma jurídica. Por exemplo: para que uma entidade social fosse proprietária ou gerisse um lar de idosos ou um hospital, haveria a mesma de constituir-se em sociedade comercial? Poderá o Estado forçar a igualizar, pelo “mercado”, realidades históricas que nunca pertenceram ao “mercado” das empresas? O regime fiscal, podendo em teoria constituir um elemento com relevância para efeitos da concorrência, não tem uma influência diferente na actividade farmacêutica do que nas restantes actividades abertas aos sectores privado e social – desde logo, da distribuição grossista de medicamentos –, e em que o exercício é feito de forma concorrencial. Ou seja, a questão da concorrência entre os sectores privado e social não tem contornos específicos na actividade farmacêutica que não assuma noutras actividades económicas, e que justifique que as entidades do sector social não possam, nesta qualidade, exercer aquela actividade, no âmbito dos seus fins próprios. Acresce que, designadamente o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) prevê, no seu artigo 10.°, n. os 2 e 3 , um conjunto de regras que, ao excluírem a isenção prevista no n.º 1, do mesmo artigo, precisamente visam anular ou atenuaros benefícios em sede de IRC de que gozam as institui- ções em causa quando, no exercício da respectiva actividade, actuem em domínios em que a concorrência, designadamente com o sector privado, deva ser garantida, alcançando-se a convergência, ou mesmo igualda- de, de armas no domínio fiscal, sempre que estas se justificarem.
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