TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

77 acórdão n.º 612/11 2. Fundamentos do Pedido O Provedor de Justiça fundamentou o seu pedido de declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, nos seguintes termos:  O Decreto-Lei n.° 307/2007, de 31 de Agosto, estabelece o regime jurídico das farmácias de oficina. O diploma em apreço determina, como princípio geral, no respectivo artigo 14.°, n.° 1, que podem ser proprietárias de farmácias pessoas singulares ou sociedades comerciais. Concomitantemente, esclarece aquele decreto-lei, no n.° 3 do mesmo artigo 14.°, que “as entidades do sector social da economia podem ser proprietárias de farmácias desde que cumpram o disposto no presente decreto-lei e demais normas regulamentares que o concretizam, bem como o regime fiscal aplicável às pessoas colectivas referidas no n.º 1”, ou seja, às sociedades comerciais. Na decorrência das regras mencionadas, estabelece o legislador, no artigo 47.º, n.° 2, alínea a ), do diplo- ma, que constitui contra-ordenação (grave, punível com coima de € 5000 a € 20 000, a que podem acrescer as sanções acessórias elencadas no artigo 49.°) o facto de a propriedade da farmácia pertencer a pessoa colec- tiva que não assuma a forma de sociedade comercial. Finalmente, e em sede de disposições finais, vem o legislador, no artigo 58.º obrigar as entidades do sector social da economia que sejam proprietárias de farmácias à data da entrada em vigor do diploma, a pro- cederem, no prazo de cinco anos a contar da sua entrada em vigor, às adaptações necessárias ao cumprimento dos requisitos previstos no artigo 14.°, a que acima se fez referência. As regras do Decreto-Lei n.° 307/2007, que definem as entidades que podem ser proprietárias de far- mácias e constam do seu artigo 14.°, n. os 1 e 3 (na parte relativa ao regime fiscal), e as regras que decorrem da imposição daquele estatuto [para o que aqui interessa, constantes dos artigos 47.º, n.° 2, alínea a ), e 58.° do diploma], assumidamente visam excluir as entidades do denominado sector social da economia da pos- sibilidade de, enquanto entidades com a referida natureza, exercerem a actividade económica da venda de medicamentos e demais serviços prestados pelas farmácias. É o que claramente resulta do preâmbulo da lei: “Com o presente diploma, impõe-se a alteração da propriedade das farmácias que actualmente são detidas, designadamente, por instituições particulares de soli- dariedade social. No futuro, estas terão de constituir sociedades comerciais, em ordem a garantir a igualdade fiscal com as demais farmácias”. O legislador exclui, pois, a possibilidade por parte das entidades do sector social de serem, enquanto tais (isto é na sua qualidade própria de entidades do sector social), proprietárias de farmácias. As normas contidas nos artigos 14.º, n. os 1 e 3, 47.º, n.º 2, alínea a ), e 58.º do Decreto-Lei n.º 307/2007 mostram-se contrárias ao princípio da igualdade e ao princípio da proporcionalidade, bem como às normas da Constituição que visam a tutela e a promoção da actividade das entidades incluídas no denominado sector social e cooperativo, como sejam as que decorrem dos artigos 61.°, n. os 2 e 3, 63.°, n.º 5, e, muito especialmente, da garantia institucional da coexistência dos sectores público, privado e cooperativo e social, estabelecida no artigo 82.° da Constituição. A exclusão das entidades do sector social do acesso à propriedade das farmácias implica, desde logo, uma violação do princípio da igualdade. A este propósito, mostra-se relevante chamar à colação a jurisprudência do Tribunal Constitucional, designadamente constante dos Acórdãos n. os 635/06 e 236/05. Estavam aí em causa normas legais que impediam as associações mutualistas de, em benefício dos seus associados, exercerem a actividade funerária. O Tribunal Constitucional entendeu não existir “fundamento legítimo e racional para o tratamento discriminatório das associações mutualistas relativamente ao exercício da actividade funerária”. Não havia, portanto, razão suficiente para excluir as associações mutualistas de uma actividade, obrigan- do-as a assumir a forma societária.

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