TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

56 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL situações de urgência, diferenciadoras das demais, serão aquelas em que seguramente estará em causa a pró- pria sobrevivência fisiológica do menor. Ora, no século XXI, um Estado da Europa Ocidental, integrante da Comunidade Europeia, que tem por objectivo uma democracia social (artigo 2.º da Constituição) não pode satisfazer-se com a garantia da mera sobrevivência fisiológica das crianças a quem faltou a solidariedade familiar. Exige-se-lhe mais. O Estado tem que garantir o desenvolvimento integral em condições dignas dessas crianças, proporcio- nando-lhe atempadamente as condições para um crescimento saudável. Daí que, desde logo, a mera contemplação dos casos urgentes por um procedimento mais expedito, não seja suficiente para retirar ao actual sistema de apoio a estas crianças, na interpretação sob fiscalização, a qualificação de deficitário, tendo em conta as exigências ditadas pelas actuais concepções sociais. Além disso, mesmo nos casos urgentes, dos três períodos de tempo de carência acima apontados, o único que é reduzido é o último – aquele em que o tribunal apura a verificação dos requisitos legais para a atribuição de uma pensão social ao menor – sem que essa redução seja significativa, uma vez que o tribunal, tal como sucede no processamento comum, não deixa de estar obrigado a alguma demora com a realização das diligências para apuramento da situação da criança, pelo que a previsão de tal processamento não deter- mina um encurtamento do tempo de intervenção do Estado que o permita considerar como razoável, face às necessidades que visa acudir. Não se revelando, pelas razões enunciadas, que a previsão do procedimento cautelar previsto no artigo no artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, seja suficiente para o sistema de segurança social, na interpretação sob fiscalização, garantir uma adequação temporal da resposta à situação de carência das crianças a quem faltou a solidariedade familiar, deveria essa interpretação normativa ser declarada inconstitucio- nal, com força obrigatória geral, na sequência das anteriores pronúncias deste Tribunal. – João Cura Mariano . DECLARAÇÃO DE VOTO O que fundamentalmente me afasta do acórdão a que esta declaração se anexa é o seu pressuposto de base, bem expresso no seguinte passo: «Como típico direito social, na dimensão em que se traduz na preten- são de prestações materiais a cargo do Estado, este direito das crianças é um “direito sob reserva do possível”, não sendo directamente determinável no seu quantum e no seu modo de realização a nível da Constituição». Esta posição ignora a especificidade do bem jurídico que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores tutela. Trata-se dos alimentos devidos a uma categoria de cidadãos incapazes de os obter por si, com incumprimento, pelos obrigados, do dever de os prestar. Como tal, está em causa a satisfação de neces- sidades vitais, objecto do direito a um mínimo de existência condigna . Ora, este direito goza de um estatuto especial dentro dos direitos sociais, sendo dotado de um grau de fundamentalidade praticamente equivalente ao dos direitos pessoais. Tanto assim que não falta quem o integre no arco normativo do direito à vida (cfr., por exemplo, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada , I, 4.ª edição, p. 451). Visão, esta, de que muito se aproximou o Acórdão n.º 306/05 (citado, aliás, no presente Acórdão), ao exprimir a ideia de que a insatisfação do direito a alimentos de menores “comporta o risco de pôr em causa, sem que o titular possa autonomamente procurar remédio, se não o próprio direito à vida, pelo menos o direito a uma vida digna”. O ponto de partida desta decisão, de que estamos perante um “típico direito social”, leva à formulação de um discurso argumentativo desajustado da particular natureza do direito em causa. Não há que falar, a seu respeito, de uma “reserva do possível”. Isso mesmo quis acentuar o Acórdão n.º 509/02, sobre o rendi- mento social de inserção, ao reconhecer uma garantia constitucional a um mínimo de existência condigna , de que faz derivar, citando Gomes Canotilho “uma imediata pretensão dos cidadãos” [itálico meu], “no caso de particulares situações sociais de necessidade”.

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