TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

54 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL  DECLARAÇÃO DE VOTO Divergi da posição maioritária por entender que deveria ter sido declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, na interpretação sob fiscalização, uma vez que a mesma compromete o cumprimento pelo Estado do man- dado constitucional de protecção das crianças, com vista ao seu desenvolvimento integral, nas situações em que se encontram judicialmente fixados alimentos a um menor. Não oferece dúvidas que o disposto nos artigos 68.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, da Constituição, impõe que o Estado actue em apoio das crianças, quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a um menor não os satisfaça e o alimentado não tenha um rendimento líquido suficiente para se auto-sustentar, nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre. Na verdade, nestes casos de frustração do cumprimento da obrigação de alimentos no quadro da solida- riedade familiar, os menores incorrem numa situação grave de falta ou diminuição de meios de subsistência, que coloca em risco o seu direito a uma vida digna. Da imposição constitucional do Estado dar uma resposta eficaz a estes ditames, nestas situações, aper- cebeu-se o legislador ordinário que, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, que veio regulamentar a Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, escreveu: «A Constituição da República Portuguesa consagra expressamente o direito das crianças à protecção, como função da sociedade e do Estado, tendo em vista o seu desenvolvimento integral (artigo 69.º). Ainda que assumindo uma dimensão programática, este direito impõe ao Estado os deveres de assegurar a garantia da dignidade da criança como pessoa em formação a quem deve ser concedida a necessária protecção. Desta concepção resultam direitos individuais, desde logo o direito a alimentos, pressuposto necessário dos demais e decorrência, ele mesmo, do direito à vida (artigo 24.º). Este direito traduz-se no acesso a condições de subsistência mínimas, o que, em especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as pres- tações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna. (…) A evolução das condições sócio-económicas, as mudanças de índole cultural e a alteração dos padrões de comportamento têm determinado mutações profundas a nível das estruturas familiares e um enfraquecimento no cumprimento dos deveres inerentes ao poder paternal, nomeadamente no que se refere à prestação de alimentos, circunstância que tem determinado um aumento significativo de acções tendo por objecto a regulação do exercício do poder paternal, a fixação de prestação de alimentos e situações de incumprimento das decisões judiciais, com riscos significativos para os menores. De entre os factores que relevam para o não cumprimento da obrigação de alimentos assumem frequência significativa a ausência do devedor e a sua situação sócio-económica, seja por motivo de desemprego ou de situação laboral menos estável, doença ou incapacidade, decorrentes, em muitos casos, da toxicodependência, e o cresci- mento de situações de maternidade ou paternidade na adolescência que inviabilizam, por vezes, a assunção das respectivas responsabilidades parentais. Estas situações justificam que o Estado crie mecanismos que assegurem, na falta de cumprimento daquela obrigação, a satisfação do direito a alimentos. Ao regulamentar a Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, que consagrou a garantia de alimentos devidos a menores, cria-se uma nova prestação social, que traduz um avanço qualitativo inovador na política social desen- volvida pelo Estado, ao mesmo tempo que se dá cumprimento ao objectivo de reforço da protecção social devida a menores.»O legislador dispõe de ampla liberdade na escolha dos meios de intervenção do Estado em apoio das crianças que se encontrem em situação de risco, mas esses meios tem que ser suficientes, sob pena dos refe- ridos direitos constitucionais serem incumpridos, por violação do princípio da proibição do défice de tutela.

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