TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

523 acórdão n.º 486/11 da concessão não serve de argumento para afastar a necessidade da sua participação, através do parecer, no procedimento referendário – pelo contrário, reforça-a. Por estas razões, embora concordando, agora, como no Acórdão anterior, com a decisão tomada, entendo que deveria ter tido lugar a notificação do requerente para suprir a falta do parecer. – Catarina Sarmento e Castro DECLARAÇÃO DE VOTO Não discordando da fundamentação do Acórdão, no que concerne à correcção e clareza da pergunta, agora, formulada com vista à realização do referendo, entendo, todavia, que, como deixei referido na discus- são do memorando, à realização do mesmo obstaria, designadamente, a matéria que constitui seu objecto, afigurando-se-me vedada pelo disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea d), da RJRL. Na realidade, constatando-se, neste caso, mesmo segundo um critério de simples evidência, que a ma- téria do referendo, por densificar um problema de afectação e gestão de bens públicos municipais, cujos efeitos se prolongarão no tempo durante vários mandatos, assume relevante interesse municipal, importará, no entanto, equacionar se a matéria do referendo se encontra, ou não, abrangida pela exclusão de conteúdos prevista no artigo 4.º da RJRL. De acordo com a alínea d) do n.º 1 de tal preceito, são expressamente excluídas do referendo local as questões e os actos de conteúdo orçamental, tributário ou financeiro. A actividade financeira pode ser definida como integrando todos os actos tendentes à obtenção de recei- tas e à realização de despesas, com vista à satisfação das necessidades colectivas que um ente público tem a seu cargo (cfr. Cardoso da Costa, Curso de direito fiscal, Coimbra, 1972, p. 1), “ desdobrando-se (...) por uma série diversificada de operações relativas seja à aquisição e à gestão das receitas, seja à realização das despesas” (Ca- salta Nabais, Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra, 2005, p. 4), pela qual se opera “ a arbitragem concreta entre os bens económicos atribuídos ao Estado e os dos particulares, não só numa perspectiva estática (...), mas também numa óptica dinâmica de rendimento (Sousa Franco, Finanças públicas e direito financeiro , Volume I, 4.ª edição, Coimbra, 1997, p. 100), aí se encontrando compreendida, entre o mais, a matéria relativa aos respectivos meios de financiamento das diversas entidades públicas (cfr. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 4.ª edição, Coimbra, 1991, pp. 27 e segs.). Nesta óptica, a concessão de exploração de bens do domínio público, traduzida num contrato admi- nistrativo pelo qual se opera a transferência da administração para a entidade concessionária dos direitos relativos à exploração desse bem, constitui uma questão de conteúdo financeiro relativa à rentabilização de bens públicos. Na verdade, a opção pelo recurso ao instrumento de gestão do contrato de concessão envolve, sempre, uma ponderação acerca, entre outros aspectos, das vantagens patrimoniais a obter por parte do concedente, razão pela qual a celebração de tal contrato revelará sempre a presença de uma indefectível motivação de índole estritamente financeira. A concessão dos bens públicos desenvolve-se não só num problema de eleição do melhor modo de dar satisfação às necessidades públicas, como também numa ferramenta da melhor gestão dos rendimentos possíveis propiciados por esses bens, sendo a decisão essencialmente influenciada pelos ganhos directos ou indirectos de natureza económica e financeira. Por esse motivo, concluiria pela ilegalidade da matéria abrangida na presente iniciativa referendária, atento o disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea d), da RJRL. – J. Cunha Barbosa Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República, II Série, de 3 de Novembro de 2011. 2 – Ver, neste volume, o Acórdão n.º 435/11.

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