TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
515 acórdão n.º 435/11 recíprocas interferências que cada um operaria em relação ao outro (no fundo e genericamente falando, ter-se-á pretendido evitar fricções entre o referendo e o regime representativo)”. Nessa mesma linha, Gomes Canotilho/Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anotada , Volume II, 4.ª edição, nota X ao artigo 115.º, Coimbra, p. 106), referem que a previsão dos referidos limites temporais do referendo “visa garantir a sua autonomia face aos sufrágios eleitorais, procurando evitar que eles sejam contaminados pelos resultados destes (e vice-versa) e a promover a independência face às escolhas partidárias dos eleitores”. Ora, considerando o alcance da limitação temporal em apreço, constata-se que o interesse que nela vai acautelado não é posto em causa ou afectado na situação emergente dos presentes autos em que se pondera a convocação de um referendo local num município não pertencente à Região Autónoma onde vai ocorrer a eleição dos deputados à respectiva Assembleia Legislativa, por não existir coincidência entre as esferas terri- toriais envolvidas, e, consequentemente, por ser diferente o colégio eleitoral que intervirá em ambos os actos. Nessa medida, se, por um lado, os interesses perseguidos pela limitação temporal constante do artigo 8.º da LORL não se encontram minimamente afectados nos presentes autos, e se, por outro lado, a própria intencionalidade prático-normativa do preceito impõe uma diferenciação das hipóteses gramaticalmente previstas à luz do problema normativo regulado, justifica-se, perante tais pressupostos, uma redução teleo lógica do artigo 8.º da LORL, perante a qual se pode concluir pela inexistência de violação dos limites tem- porais aí previstos. 7. Importa, ainda, referir que “o referendo local só pode ter por objecto questões de relevante interesse local que devam ser decididas pelos órgãos autárquicos ou de freguesia e que se integrem nas suas competên- cias, quer exclusivas quer partilhadas com o Estado e com as Regiões Autónomas”, devendo “a determinação das matérias a submeter a referendo local obedece[r] aos princípios da unidade e subsidiariedade do Estado, da descentralização, da autonomia local e da solidariedade interlocal” (artigo 3.º da LORL). Constatando-se, neste caso, mesmo segundo um critério de simples evidência, que a matéria do referen- do, por densificar um problema de afectação e gestão de bens públicos municipais, cujos efeitos se prolonga- rão no tempo durante vários mandatos, assume relevante interesse municipal. 8. Porém, o mesmo deverá considerar-se ilegal na medida em que as duas perguntas constantes da pro- posta aprovada pela Assembleia Municipal do Cartaxo não obedecem aos critérios constantes do n.º 2 do artigo 7.º da LORL, nos termos do qual se determina que “[a]s perguntas são formuladas com objectividade, clareza e precisão (...), sem sugerirem directa ou indirectamente o sentido das respostas”. Como se sublinhou no Acórdão n.º 288/98 ( Diário da República , I Série-A, de 18 de Abril de 1998), “a clareza da pergunta há-de conjugar-se com a sua objectividade e precisão, o que implica uma maior comple- xidade e a utilização de terminologia rigorosa, para se evitar, posteriormente, a existência de equívocos quan- to às soluções propugnadas, por a pergunta abranger situações não pretendidas ou consentir leituras ambí- guas”, sendo que os requisitos da objectividade, clareza e precisão são verdadeiramente cruciais para permitir aos eleitores a leitura e compreensão acessíveis e sem ambiguidades da pergunta, evitando “que a vontade expressa dos eleitores seja falsificada pela errónea representação das questões” (J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada , cit., p. 106), requerendo-se “a minoração, na medida do possível, do risco de leituras e entendimentos da questão pelos seus destinatários que possam – directa ou implicitamente, por interrogações ou ambiguidades que suscitem no eleitor – apontar para uma das respostas alternativas”, sendo que o adequado cumprimento destes requisitos não poderá deixar de ser equacionado, a partir do ponto de vista da globalidade dos eleitores, porquanto, “fazendo apelo a um paralelismo com a teoria da impressão do destinatário, o horizonte para aferir a compreensão das perguntas há-de ser o cidadão eleitor normal, sem conhecimentos especializados nas matérias sobre que é inquirido” (Acórdão n.º 531/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ).
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