TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
508 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Importa, a este propósito, ter presente o objecto da decisão recorrida. A CNE deliberou notificar o Director do Jornal da Madeira «para cumprir o disposto no n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 85-D/75, de 26 de Fevereiro, nos termos do qual as matérias de opinião “não podem assumir uma forma sistemática de propaganda de certas candidaturas ou de ataque a outras, de modo a frustrarem-se os objectivos de igualdade visados pela lei” designadamente, para não permitir que nos espaços de opinião se faça apologia sistemática de uma só candidatura (…)». A CNE é uma entidade administrativa independente, com competência «relativamente a todos os actos de recenseamento e de eleições para os órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local» e a quem especialmente incumbe «assegurar a igualdade de oportunidades de acção e propaganda das candidaturas durante as campanhas eleitorais» [artigos 1.º, n. os 2 e 3, e 5.º, n.º 1, alínea d) , da Lei n.º 71/78, de 27 de Dezembro]. A CNE agiu, por conseguinte, como órgão da administração eleitoral, e ao interpretar os factos im- putados ao Jornal da Madeira , nos termos já analisados, como sendo susceptíveis de «assumir uma forma sistemática de propaganda de certas candidaturas ou de ataque a outras», esse órgão limitou-se a preencher, no uso de uma competência própria, o conceito jurídico indeterminado que consta do disposto no artigo 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 85-D/75, de 26 de Fevereiro. É indiferente para o caso que a disposição em causa se caracterize também como uma norma de natureza penal (cuja infracção implica que o respectivo agente possa incorrer em pena de prisão ou multa), e que a CNE disponha ainda de competência para realizar diligências para efeito de elaborar e remeter ao Ministério Público a competente participação para prosseguimento de acção penal. Apesar disso, no caso vertente a qualificação dos factos como integrando o ilícito penal previsto no arti- go 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 85-D/75 não tem qualquer carácter constitutivo e visou unicamente carac- terizar a situação concreta, por referência ao conceito indeterminado constante da referida disposição legal, como constituindo uma violação do princípio da igualdade de oportunidades de acção e propaganda. Daí também que a CNE se tenha limitado a emitir uma injunção em vista a impedir, ainda em tempo útil, con- siderando a proximidade do acto eleitoral, que o Jornal da Madeira pudesse continuar a publicar artigos de opinião que envolvessem uma forma sistemática de propaganda de certa candidaturas ou de ataque a outras. Em termos gerais, o exercício do poder discricionário da Administração (entendido num sentido amplo como abrangendo a margem de livre apreciação, o preenchimento de conceitos indeterminados e a prerroga- tiva de avaliação), é apenas sindicável pelos tribunais nos seus aspectos vinculados, designadamente os relati- vos à competência, à forma, aos pressupostos de facto e à adequação ao fim prosseguido, e ainda no tocante à aplicação dos princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, a que alude o artigo 266.º, n.º 2, da Constituição, que funcionam como limites internos à actividade discri- cionária (veja-se, neste sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 440/05, e ainda os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno) de 30 de Junho de 2000, Processo n.º 44933, e de 7 de Fevereiro de 2001, Processo n.º 44852). E assim, fora dos casos em que possa haver um controlo externo e negativo do tribunal (por referência a esses aspectos vinculados ou aos limites internos da actividade discricionária), sempre que o conceito inde- terminado confie à Administração a tarefa da formulação de valorações próprias do exercício da sua função, só em casos de erro manifesto de apreciação ou de aplicação de critério manifestamente inadequado é que a conduta da Administração pode ser sindicada jurisdicionalmente [cfr. Mário Aroso de Almeida/Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos , 3.ª edição, Coimbra, pp. 469-471; Sérvulo Correia, Direito do Contencioso Administrativo , vol. I, LEX, Lisboa, pp. 777-779; em idêntico sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno) de 27 de Janeiro de 2008, Pro- cesso n.º 269/02, do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Novembro de 2005, Processo n.º 239/05, e do TCA Norte de 20 de Setembro de 2007, Processo n.º 213/06]. E, sendo assim, não estando de nenhum modo demonstrado que a decisão da CNE assentou em erro patente ou critério ostensivamente desajustado, não cabe ao Tribunal Constitucional, sob pena de violação
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