TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
49 acórdão n.º 400/11 “garantia” da obrigação alimentar (cfr. artigo 2006.º do Código Civil), mas apenas se a Constituição, desig- nadamente no n.º 1 do artigo 69.º (protecção da infância) e nos n. os 1 e 3 do artigo 63.º (direito à segurança social) veda ao legislador que assim configure esta prestação social pública. 7. O dever de prover ao sustento das crianças incumbe, numa primeira linha, aos pais, que têm o “direi to e o dever de educação e manutenção dos filhos” (artigo 36.º, n.º 5, da CRP). Este dever de manutenção compreende o dever de prover ao sustento dos filhos, dentro das capacidades económicas dos pais, até que eles estejam em condições, ou tenham o dever de procurar por si, meios de subsistência. Constitui, aliás, um dos poucos deveres fundamentais consagrados de modo expresso pela Constituição. Contudo, como se disse no referido Acórdão n.º 54/11, a natural necessidade de protecção das crianças, não podia deixar um Estado que visa a realização da democracia económica e social (artigo 2.º da CRP) à margem da tarefa de assegurar o seu crescimento saudável, reconhecendo-se expressamente não só que “as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral, espe- cialmente contra todas as formas de abandono” (artigo 69.º, n.º 1, da CRP), como também que os pais e as mães devem gozar de protecção “na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos” (artigo 68.º, n.º 1, da CRP). Deste direito de protecção e dos correlativos deveres de prestação e de actividade legislativa não resulta que o Estado tenha de assumir, por imposição constitucional, uma posição jurídica de garante da prestação alimentar dos progenitores. A prestação pública realiza um típico direito social derivado do n.º 1 do artigo 69.º da CRP, um direito especial no campo do direito à segurança social (artigo 63.º, n. os 1 e 3, da CRP), num domínio em que se entrecruzam dois tipos de responsabilidade ou deveres de protecção, cada um com a sua lógica própria. Como típico direito social, na dimensão em que se traduz na pretensão de prestações materiais a cargo do Estado, este direito das crianças é um “direito sob reserva do possível”, não sendo directamente deter- minável no seu quantum e no seu modo de realização a nível da Constituição. O limite de conformação em que o direito de protecção das crianças mediante prestações fácticas ou pecuniárias a cargo do Estado é resistente ao legislador só pode (judicialmente) alcançar-se a partir de outros referentes constitucionais, de natureza principial, em que avulta o princípio da dignidade da pessoa humana. Com efeito, salvo quando a solução afecte o núcleo já realizado de concretização legislativa radicado na consciência jurídica geral como núcleo essencial do direito considerado, ao legislador democrático tem de ser preservada uma larga margem na realização ou conformação dos direitos sociais, só acessível à censura por parte da justiça constitucio- nal – na sua dimensão de “direitos positivos”, entenda-se – quando e na medida em que puser em causa os princípios estruturantes do Estado de Direito. Como diz Vieira de Andrade ( Justiça Constitucional, n.º 1, Jan./Mar. 2004, p. 27) «…[a] avaliação do nível de desenvolvimento social do país, as concepções estruturais de organização da sociedade política, em especial do papel reconhecido às famílias, associações e instituições, a articulação entre os diversos modos ou formas de organização da segurança social e da solidariedade, as opções entre instrumentos alternativos – prestações directas, créditos, bonificações, ajuda na busca de em- prego, bolsas de formação, etc. –, e, apesar de tudo, em certa medida, as inevitáveis opções orçamentais e de afectação de recursos escassos – todas estas considerações tornam a tarefa do legislador muito mais que uma mera concretização jurídica da Constituição “furtada à disponibilidade do poder político”». É certo que neste domínio particular da protecção da infância, pela insuperável debilidade do titular, pela sua incapacidade natural de encontrar por si alternativas para satisfazer necessidades vitais comprome- tidas pelo incumprimento da obrigação alimentar, pela urgência e pelas consequências, no plano social e pessoal, da insatisfação imediata das necessidades de uma personalidade em formação, o grau de protecção constitucional é mais intenso e o correlativo dever de prestação por parte do Estado mais determinável no seu conteúdo mínimo. Designadamente, no aspecto que agora interessa e que consiste na exigência de que a prestação pública seja idónea a proporcionar resposta temporalmente adequada à necessidade ou situação de carência que a justifica. Acompanha-se o Acórdão n.º 54/11 quando diz:
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