TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
457 acórdão n.º 636/11 algum momento há-de o objecto do processo vir a ser fixado com o rigor e a precisão adequados à garantia da independência do juízo e à atempada organização da defesa. Dada a função substancial que cumpre, no processo, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, quando tenha sido proferido pelo Ministério Público despacho de arquivamento – função que, como vimos, é equivalente à da acusação –, é nele [nesse requerimento] que se terá que definir de forma suficientemente precisa o objecto do proces- so, através, pelo menos, da narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, e da indicação dos preceitos legais ao abrigo dos quais tal pena será aplicável. Ao determinar que “o requerimento [de abertura de instrução] não está sujeito a formalidades espe- ciais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à (…) não acusação”, o n.º 2 do artigo 287.º do CPP está a definir um pressuposto de admissibilidade, por parte do tribunal, do acto praticado pelo assistente no processo que, para além de ser – como qualquer outro pres- suposto processual – um meio de funcionalização do sistema no seu conjunto, é, pelo seu teor, necessário, face às exigências decorrentes dos princípios fundamentais da Constituição em matéria de processo penal. Face à legitimidade (digamos assim) “reforçada” de que dispõe, portanto, o legislador ordinário para fixar esse pressuposto – exigindo o seu cumprimento por parte do assistente – não se afigura excessiva ou des- proporcionada a norma sob juízo, aplicada pela decisão recorrida: a Constituição não impõe um convite ao aperfeiçoamento do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, que, fora dos casos previstos no n.º 3 do artigo 287.º do CPP, não cumpra os requisitos exigidos pelo n.º 2 do mesmo preceito. Assim é, tanto mais se se considerarem os efeitos que, nos termos do n.º 1 do artigo 57.º do CPP, de- correm da apresentação do requerimento de abertura de instrução. Por tal apresentação implicar, ipso facto, a constituição de arguido (com todas as consequências que daí resultam para a protecção das garantias de defe- sa), não é jurídico‑constitucionalmente irrelevante o tempo em que ela é feita. Precisamente por esse motivo fixa a lei um prazo – que é de 20 dias a contar da notificação do arquivamento do inquérito (artigo 287.º, n.º 1, do CPP) – para o assistente apresentar o requerimento de abertura de instrução. A dilação desse prazo, que seria potenciada pela necessidade de formulação de um convite ao aperfeiçoa- mento do requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente, viria afectar os direitos de de- fesa do arguido, porquanto a peremptoriedade do prazo funciona em favor do arguido e dos seus direitos de defesa (vide, nesse sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/05, já citado, p. 6344). Além disso, o convite à correcção dilataria o termo final do desfecho da instrução. A relevância jurídico-constitucional desses dois aspectos do regime legal relaciona-se não apenas com os direitos de defesa do arguido, tal como constitucionalmente tutelados, mas decorre também de valores constitucionalmente atendíveis tais como o princípio da celeridade processual. Mais outra razão, portanto, para que a opção legislativa pela inexigibili- dade da formulação de tal convite seja tida como constitucionalmente legítima. III – Decisão Nestes termos, decide-se: a) Não julgar inconstitucional a norma contida conjugadamente nos n. os 2 e 3 do artigo 287.º do CPP, na interpretação segundo a qual, não respeitando o requerimento de abertura de instrução as exigências essenciais de conteúdo impostas pelo n.º 2 do artigo 287.º do CPP, e não ocorrendo nenhuma das causas de rejeição previstas no n.º 3 do mesmo preceito, cabe rejeição imediata do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente (não devendo antes o assistente ser convidado a proceder ao seu aperfeiçoamento para suprir as omissões/deficiências constatadas). b) Consequentemente, negar provimento ao recurso; c) Condenar o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
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