TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

456 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL era, passando agora a poder identificar-se como um litígio em que a acusação, enquanto “parte”, oponha os seus interesses próprios à outra “parte”, a defesa. Como o Tribunal sempre tem dito (veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 358/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ), não sendo o processo penal constitu- cionalmente configurável como um processo de “partes”, não pode também o textual reconhecimento do direito do ofendido a nele intervir ser lido como se tratasse de uma autorização para conformar as respectivas regras de acordo com uma matriz despublicizada, que a Constituição não acolhe. Em segundo lugar, o reconhecimento textual expresso deste direito não obnubila o lugar central que a Constituição reserva à tutela processual do arguido. As garantias de processo criminal que, no artigo 32.º, a CRP consagra, são essencialmente as garantias da defesa. E como é em torno da tutela destas últimas que o legislador ordinário organiza as regras de processo – procurando a realização do equilíbrio entre as necessida- des emergentes dessa tutela e as exigências decorrentes do imperativo de realização da justiça penal –, nelas, o estatuto do assistente não poderá nunca ser equiparável ao estatuto do arguido. Por assim ser, diz o n.º 7 do artigo 32.º que o direito do ofendido a intervir no processo será reconhecido nos termos da lei. Semelhante formulação não é usada pelo texto constitucional quanto ao reconhecimento das garantias de defesa do ar- guido. Em relação à conformação do estatuto processual do assistente detém, portanto, o legislador ordinário uma margem de liberdade maior do que aquela que a Constituição lhe consente quando se trata de definir o estatuto processual do arguido. Em terceiro lugar, há que ter em conta que as normas ordinárias relativas a pressupostos processuais se incluem, por via de regra, no âmbito dessa margem de livre conformação. As regras legais que definem estes pressupostos, enquanto condições de admissibilidade, por parte do tribunal, dos actos praticados pelos sujei- tos processuais, não podem à partida ser consideradas como agressões ao direito de acesso ao direito (artigo 20.º) e às garantias de processo (artigo 32.º). Pelo contrário: na exacta medida em que visam isso mesmo – a regulação, por parte do legislador ordinário, dos termos em que o tribunal admite os actos praticados pelos sujeitos intervenientes no processo – constituem as referidas regras mecanismos de funcionalização do siste- ma judiciário no seu conjunto, fazendo parte dele enquanto meios necessários para a realização do direito a uma tutela jurisdicional efectiva e a um processo (penal) côngruo. Ponto é que o conteúdo dessas regras se inscreva ainda nas exigências decorrentes do princípio da proporcionalidade, não transformando os pressu- postos processuais em encargos excessivos ou desrazoáveis para aqueles a que se destinam. Sustenta o recorrente que a decisão recorrida, ao interpretar como interpretou a norma sob juízo, transfor- mou precisamente um pressuposto processual – respeitante aos termos em que é admissível, por parte do tribu- nal, o requerimento de abertura de instrução a apresentar pelo assistente – num ónus ou encargo excessivo, dado que, no seu entender, o legislador não seria livre para poder dispensar o convite ao aperfeiçoamento de um reque- rimento [para abertura de instrução] que, não ocorrendo nenhuma das causas de rejeição previstas no n.º 3 do artigo 287.º do CPP, não respeitasse as exigências essenciais de conteúdo impostas pelo n.º 2 do mesmo preceito. É, no entanto, no contexto dos três elementos que atrás enunciámos – a natureza pública que o processo penal detém face à Constituição; o lugar central que nele ocupam as garantias da defesa; a função sistémica prosseguida pelas normas legais que definem pressupostos processuais – que se há-de averiguar se procede, no caso, a tese de inconstitucionalidade, sustentada pelo recorrente. 9. O Código de Processo Penal, no artigo 287.º, faculta ao assistente a possibilidade de requerer a abertura da instrução, nos casos em que o Ministério Público, tendo recolhido prova bastante de se não ter verificado o crime, decida não acusar, proferindo, nos termos do artigo 277.º, despacho de arquivamento do inquérito. Significa isto que, nessas circunstâncias, o requerimento de abertura de instrução a apresentar pelo assis- tente equivale a uma acusação. Melhor dito: esse requerimento consubstancia materialmente uma acusação, na medida em que por via dele é pretendida a sujeição do arguido a julgamento por factos geradores de responsabilidade criminal (Acórdão n.º 358/04). Como é bem sabido, em um processo penal que, por imposição constitucional, tenha estrutura acu- satória (artigo 32.º, n.º 6) e seja primacialmente orientado para a protecção das garantias da defesa, em

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