TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
449 acórdão n.º 635/11 5. Antes de mais, deve sublinhar-se que a norma objecto do presente recurso, como indica a sua epígra- fe, se refere à responsabilidade financeira sancionatória daqueles que, sendo titulares de cargos públicos, são susceptíveisde exercer competências relacionadas com a elaboração e execução dos orçamentos, bem como com a assunção, autorização ou pagamentos de despesas públicas ou compromissos. Partindo deste pressuposto, há que averiguar se – como pretende a recorrente – este tipo de responsabi- lidade se deve inserir, por força de um pretenso princípio constitucional da tipicidade dos ilícitos sanciona- tórios, no ilícito penal, disciplinar ou contra-ordenacional – únicos constitucionalmente admissíveis – ou se a responsabilidade em causa neste processo deve ser encarada como um tipo autónomo. Note-se que ainda que se chegue à conclusão que se trata de um tipo de responsabilidade autónomo, sempre nos teremos interrogar se o princípio da legalidade penal, tal como previsto no n.º 1 do artigo 29.º da CRP, se aplica para além do Direito Penal, ou seja, se se aplica igualmente ao caso em apreço. 6. A Constituição da República Portuguesa menciona o Tribunal de Contas no seu artigo 214.º, qua- lificando-o como o “órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas que a lei mandar submeter-lhe”. De entre as competências que a Constituição atribui ao Tribunal de Contas, no n.º 1 do referido preceito, consta a de “efectivar a responsabilidade por infracções financeiras, nos termos da lei”. Ou seja, a Constituição admite que o Tribunal de Contas tem competência para aplicar sanções por violação de regras financeiras, remetendo para a lei as suas concretas delimitação e determinação. Perante a norma constante do artigo 214.º, n.º 1, alínea c) , da CRP não se vislumbra como se poderá sustentar a tese da recorrente de que a Constituição consagra um princípio da tipicidade dos ilícitos e limita as sanções a três tipos – as de carácter penal, disciplinar e contra-ordenacional. Ora, sendo assim, a norma sancionatória em análise não tem, por imposição constitucional, de se reconduzir a nenhuma das três categorias acima referidas, fazendo parte de um tipo autónomo de responsa- bilidade sancionatória – a financeira – o que significa que, directa e imediatamente, o princípio da legalidade penal constante do artigo 29.º, n.º 1, da CRP não se aplica no caso concreto. 7. Do exposto não resulta necessariamente que as normas sancionatórias estejam dispensadas de respei- tar determinadas regras e princípios constitucionais, de entre os quais se destacam o princípio da segurança jurídica, decorrente da ideia de Estado de direito (artigo 2.º da CRP), bem como as regras relativas às restri- ções de direitos, liberdades e garantias inseridas no artigo 18.º da CRP. Assim, a previsão normativa da sanção deve ser prévia e certa, na medida em que qualquer norma que envolva a restrição de direitos, liberdades e garantias, como é o caso da norma que impõe a aplicação de determinada sanção (mesmo de natureza não penal – disciplinar, contra-ordenacional ou outra) deve ser prévia à conduta do agente e certa quanto ao respectivo conteúdo. Porém, nada na Constituição obriga a que a previsão tenha de obedecer a um modelo assente na previsão expressa da conduta típica. Pelo contrário, ela pode basear-se num modelo de remissão do tipo de ilícito para ou- tras normas legais que densificam os elementos do tipo de ilícito a sancionar. Ou seja, a norma sancionatória pode estabelecer apenas parcialmente o comportamento ilícito, remetendo para outras normas a explanação de todas as suas circunstâncias, as quais serão precisadas por outras normas («norma sancionadora em branco») ou limitar- -se a dispor que a inobservância de determinadas normas constitui infracção sujeita a sanção. A infracção será, portanto, estipulada de forma indirecta, por meio do recurso às normas principais que fixam os deveres em causa. Note-se que a existência de “normas sancionatórias em branco” é transversal a todos os ilícitos san- cionatórios, incluindo no ilícito penal. Por isso, este Tribunal já teve ocasião de decidir que as “normas penais em branco” não atentam contra o princípio da legalidade penal, desde que garantam um mínimo de determinabilidade, definindo o núcleo essencial da proibição penal, e que o elemento mutável do tipo de ilícito esteja directamente dependente de critérios de natureza técnica (assim, ver Acórdãos n.º 299/92, n.º 427/95, n.º 534/98 e n.º 115/08, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos ). Ora, se este raciocínio vale para o domínio do ilícito penal que é, sem dúvida, o de maior gravidade, do ponto de
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=