TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
446 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo do artigo 280.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição da República Portuguesa (CRP), e da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, do Acórdão n.º 7/10, proferido pela 3.ª Secção do Tribunal de Contas, em 28 de Maio de 2010 (fls. 63 a 110), para que seja apreciada a constitucionalidade da norma extraída da alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto, na redacção intro- duzida pela Lei n.º 48/2006, de 29 de Agosto, por violação do princípio da legalidade penal, consagrado no n.º 1 do artigo 29.º da CRP. 2. Notificado para tal pela Relatora, o recorrente produziu alegações, das quais se podem extrair as seguintes conclusões: « a) A recorrente, Presidente da Câmara Municipal de Setúbal, por decisão da 3.ª Secção do Tribunal de Contas, proferida em processo para efectivação de responsabilidade financeira sancionatória, foi condenada ao paga- mento de uma multa de 17 UCs; b) Por se ter considerado que, pelo facto de ter participado numa deliberação daquele órgão autárquico, que aprovou, por forma que foi considerada ilícita, a celebração, por ajuste directo, de um contrato adicional a uma empreitada em curso, com o adjudicatário da empreitada primitiva, se colocara sob a alçada da disposição punitiva da alínea b) do artigo 65.° da LTC; c) De acordo com tal disposição, fica sujeito a responsabilidade financeira sancionatória quem violar normas relativas à “assunção, autorização ou pagamento de despesas públicas ou compromissos”, tendo sido em tal disposição que o douto acórdão sob recurso considerou integrar-se a conduta imputada à aqui recorrente; d) Nos termos da própria decisão recorrida e das alegações, que nessa parte tiveram acolhimento, do Digníssimo Magistrado do Ministério Público, tal preceito funciona como uma norma geral sancionatória e reporta-se à vio- lação de quaisquer normas sobre a “assunção, autorização ou pagamento de despesas públicas ou compromissos”, remetendo o conteúdo incriminatório para todas e quaisquer normas relacionadas com a realização de despesa, considerando-se ainda que, pela complexidade da actividade administrativa, nunca seria viável uma descrição tipificada das múltiplas condutas que poderiam conduzir a uma responsabilidade financeira sancionatória; e) Tal norma, com tal sentido e alcance que, efectivamente, resulta do seu teor literal, infringe patetamente as exigências de tipificação inerentes ao princípio da legalidade penal, inscrito no artigo 29.º da Constituição da República, já que conduz a um sancionamento de “tudo o resto e do mais que haja” para além daquilo que está – especificadamente previsto, em termos de ilicitude na realização de despesas e na assunção de compromissos, nas demais alíneas da citada disposição do artigo 65.° da LTC; f ) Pois tal amplitude, generalização e imprecisão de tal norma, não se coaduna com as exigências resultantes daquele princípio, que impõe que a lei incriminadora descreva o mais pormenorizadamente possível a conduta que qualifica como um crime, se abstenha de utilizar cláusulas gerais para definição dos crimes, conceitos indeterminados, fórmulas vagas na descrição de tipos legais, devendo ter um conteúdo autónomo e suficiente, possibilitando um controlo objectivo da sua aplicação individualizada e concreta; g) A Constituição da República, em termos de direito sancionatório público, para além da punição dos ilícitos penais, apenas permite o sancionamento de ilícitos contraordenacionais e ilícitos disciplinares, não podendo a lei prever qualquer outro tipo de ilícitos que não se enquadre num daqueles três tipos, que fixa, assim, um numerus clausus , vigorando, desse modo, um princípio de tipicidade de tipos sancionatórios; h) Sendo inequívoco que a responsabilidade financeira sancionatória não tem natureza contraordenacional nem disciplinar, é forçoso atribuir-lhe uma natureza penal;
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