TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

441 acórdão n.º 634/11 Esta é a solução que está de acordo com a tendência moderna e dominante, embora não pacífica, em direito comparado, de sobrepor às exigências da segurança jurídica, da eficácia das provas e da estabilidade das situações familiares adquiridas aquele interesse público da procura da verdade biológica, quando, não obstante a subsistência jurídica da família conjugal e do vínculo da paternidade, o estado civil do filho não tem correspondência social, familiar e afectiva. Assim sendo, as razões que estiveram na origem da declaração da inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 1, estão, outrossim, presentes na disposição contida no artigo 1842.º, n.º 1, alínea a) , ambos do Código Civil. Ora, não se antevê que o mencionado prazo de caducidade se justifique, seja necessário e proporcional, face aos valores que estão em causa, sempre que uma questão de filiação é colocada, e que se afaste a possibilidade do direito ser conforme à realidade, em homenagem a essas restrições. O prazo para o exercício do direito de impugnação traduz mais uma hora de reflexão para a opção a tomar pelo interessado do que o tempo de preparação da prova para lograr em juízo o triunfo da verdade. A valorização dos direitos fundamentais da pessoa, tais como o de saber quem é e de onde vem, na vertente da ascendência genética, e a inerente força redutora da verdade biológica, prevalecem sobre a ideia da existência de prazos de caducidade nas acções de estabelecimento da filiação. Por seu turno, a impugnação deduzida pelo autor, relativamente à paternidade presumida da ré menor, no que concerne à substância de um casamento que não chegou a durar sete anos e de uma coabitação inferior a quatro, não agride um estado jurídico e social prévio, dotado de uma longevidade e densidade consideráveis, não se mos- trando sujeito a uma particular censura jurídico-constitucional, face à justificação de fundo apresentada, em que não releva sobremaneira a inércia ou o desinteresse daquele. O único interesse que poderia invocar-se em contraponto ao direito fundamental do marido da mãe em deter- minar, juridicamente, a verdadeira paternidade biológica da menor C, seria o da «harmonia e estabilidade da vida e da família conjugal», se o mesmo, porém, devesse prevalecer, face ao princípio da proporcionalidade, pois que tais limitações específicas ao direito de agir contra os supostos filhos de progenitores casados, ao tempo do nascimento ou apenas no momento do seu reconhecimento, não se traduzem em efeitos discriminatórios, constitucionalmen- te, vedados. Efectivamente, as desvantagens que advêm para a menor da perda da possibilidade de vir a ter a paternidade fundada em presunção legal são menores e, claramente, proporcionadas, perante os benefícios resultantes para o autor de uma paternidade assente na correspondência com a verdade biológica, estabelecida e, devidamente, regis- tada, em relação à menor, mas que depende, impreterivelmente, do afastamento daquela presunção legal que, uma vez removida, permitirá a fixação de outra, desta vez, biológica, e não já por presunção. Caso procedesse a caducidade do direito de impugnação, por parte do marido da mãe, cercear-se-ia, em defi­ nitivo, o direito fundamental do autor à identidade pessoal e, correlativamente, do filho a ver reconhecida a pater- nidade biológica. Aliás, face à pluralidade das pessoas a quem a lei hoje confere legitimidade para impugnar a paternidade pre- sumida e à diversidade de prazos dos vários titulares da legitimidade activa para o efeito, isto é, três anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade, para o marido da mãe, dentro dos três anos posteriores ao nascimento, para a mãe, e até 10 anos depois de haver atingido a maiorida- de ou de ter sido emancipado, ou, posteriormente, dentro de três anos a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe, para o filho, por força do disposto pelo artigo 1842.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) , do Código Civil, a opção pela paternidade presuntiva não poderá ter-se como consolidada antes de terem caducado todos os direitos de impugnação atribuídos aos seus diferentes titulares. E, a aceitar-se, tão-só, a inconstitucionalidade do prazo de caducidade da acção de impugnação de paternidade, por parte do filho, então, jamais se perfeccionaria a opção pela paternidade presuntiva. Escoam-se, assim, com o devido respeito, os argumentos que ainda pretendem sustentar a constitucionalidade do prazo de impugnação da paternidade presumida nas acções intentadas pelo marido da mãe. Conclui-se, pois, que a norma prevista no artigo 1842.º, n.º 1, alínea a) , do Código Civil, na dimensão inter- pretativa explicitada, é inconstitucional, por violação do direito à tutela judicial efectiva, na parte em que prevê o

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