TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

440 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1.   A. intentou, a 7 de Abril de 2007, e junto do Tribunal Judicial de Figueiró dos Vinhos, acção contra B. e C., pedindo que se declarasse que não era pai desta última e, em consequência, que fosse ordenado o cancelamento do respectivo assento de nascimento, com a menção da paternidade que aí lhe fora atribuída. Contestou a ré B., invocando, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1842.º do Código Civil, a caducidade do direito do autor a impugnar a paternidade de C.. Alegava para tanto o facto de A. ter conhe- cimento do nascimento da menor, pelo menos, desde Julho de 1998. Em réplica, sustentou o autor que seria inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 25.º, n.º 1, 26.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), a fixação de um prazo de dois anos (contados desde o conhecimento “de circunstâncias de que possa concluir-se a não paternidade”) para a propositura de acção de impugnação da paternidade por parte do marido, nos termos da disposição, então vigente, do n.º 1 do artigo 1842.º do Código Civil. O tribunal de 1.ª instância, desatendendo a alegação de inconstitucionalidade, julgou procedente a excepção de caducidade da acção, e, em consequência, absolveu as rés do pedido que contra elas havia sido formulado. Desta decisão interpôs A. recurso para o Tribunal da Relação. O tribunal, julgando improcedente o recurso, confirmou a decisão da 1.ª instância. Recorreu então o autor para o Supremo Tribunal de Justiça. A 25 de Março de 2010 o Supremo, depois de se referir ao Acórdão n.º 23/06 do Tribunal Constitucio- nal, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, na parte em que previa, para a caducidade do direito a investigar a paternidade, um prazo de dois anos a contar da maioridade do investigante, colocou a questão de saber se a tese da incons- titucionalidade deveria valer também para as acções de impugnação [da paternidade], nos termos do artigo 1842.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) . Centrando-se, como o exigiam as particularidades do caso sob juízo, na questão de constitucionalidade do prazo de caducidade para a interposição da acção de impugnação da paternidade por parte do marido [alínea a) do n.º 1 do artigo 1842.º do Código Civil], concluiu o Supremo do seguinte modo: «[O]s tempos correm a favor da imprescritibilidade das acções de filiação, por imperativo da verdade biológica, não tendo sentido, hoje, acentuar o argumento do enfraquecimento das provas, nem da insegurança prolongada, por- que este prejuízo tem de ser confrontado com o mérito do interesse e do direito de impugnar a paternidade, a todo o tempo, ele próprio tributário da tutela dos direitos fundamentais à identidade e ao desenvolvimento da personalidade. Efectivamente, os prazos de caducidade nas acções de estabelecimento de filiação estão em crise ou tornaram- -se menos sedutores, sobretudo quando a caducidade não visa proteger uma realidade com consistência familiar efectiva, um vínculo de filiação “social” que desempenhe as suas funções, um vínculo que se exprima por «posse de estado», apesar de lhe faltar o fundamento biológico, tornando-se a previsão de um prazo com os fins típicos e abstractos da defesa e segurança, pouco convincente nestas matérias. Deste modo, o respeito puro e simples pela verdade biológica sugere, claramente, a imprescritibilidade não só do direito de investigar como do direito de impugnar. Enquanto a ordem jurídica nacional continuar a ser de matriz, essencialmente, biologista, é espectável que o direito de pesquisar a verdade não caduque, devendo o Direito da Filiação adequar-se à verdade biológica, por, apesar de tudo, ser ainda a “mais verdadeira”, ou, então, dito de outro modo, a menos imprevisível, que busca a coincidência entre o Direito e as realidades do sangue, em vez de procurar garantir o estatuto de filho “legítimo” e um certo entendimento da “paz das famílias”.

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