TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
43 acórdão n.º 396/11 Dir-se-á, por fim, que o efeito ablativo nas remunerações dos destinatários das normas, sem previsão de qualquer tipo de contrapartida, coloca em crise a confiança e a proporcionalidade, enquanto factores de valoração a atender na aplicação do princípio da igualdade, tanto mais que, tratando-se de medida adoptada unilateralmente e com repercussão tão-só na esfera pessoal dos destinatários, não consente que estes possam compensar tal ablação por outra forma e de modo a obterem a quota-parte de que se viram despojados, tendo em vista a necessidade de satisfação de possíveis e naturais obrigações por si confiadamente assumidas em função do quantitativo remuneratório anterior, situação esta que se tornará, ainda, mais significativa perante a exclusividade de funções exigida pelo estatuto profissional de alguns dos destinatários, impeditiva do exer- cício de qualquer outro tipo de actividade (complementar) remunerada, através de um esforço pessoal e com apelo à redução das suas horas de descanso e de lazer. De tudo quanto se deixa exposto, concluiria pela inconstitucionalidade das normas dos artigos 19.º, 20.º e 21.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2011). – J. Cunha Barbosa DECLARAÇÃO DE VOTO Divergi da posição maioritária de julgar conforme à Constituição as reduções remuneratórias impostas pelos artigos 19.º, 20.º e 21.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, porque entendo que as mesmas violam o princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático, consagrada no artigo 2.º da Constituição. Na verdade, o longo e contínuo passado de aumentos sucessivos dos vencimentos dos trabalhadores da função pública, acompanhando o aumento do custo de vida, criaram-lhes uma expectativa consistente dos seus salários manterem essa relação de proporcionalidade, não se perspectivando a possibilidade dos mesmos poderem ser reduzidos, pelo que programaram e organizaram as suas vidas, tendo em conta esse dado que consideravam seguro. Por isso, as reduções agora efectuadas pelas normas sob fiscalização, na medida em que contrariam ines- peradamente uma política solidificada ao longo dos anos, vieram frustrar aquela expectativa legitimamente fundada. Admite-se, no entanto, que o legislador possa defraudar a confiança que os cidadãos depositaram na estabilidade de um determinado regime jurídico quando haja um interesse público que o justifique. Essa justificação tem que ser encontrada num juízo de proporcionalidade, ou seja, o interesse público que o legislador tem em mente deve superar o peso das expectativas dos particulares e a alteração operada no quadro legislativo tem que se revelar adequada, necessária e proporcional ao sacrifício imposto aos cidadãos. A redução dos salários dos funcionários públicos integrou a política orçamental para 2011, que teve como objectivo fundamental a redução do défice de 7,3% do PIB, então previsto para 2010, para 4,6% em 2011, obedecendo a imposição comunitária. Como é sabido Portugal atravessa a sua pior crise das últimas décadas nos domínios económico, finan- ceiro e social, encontrando-se a economia portuguesa numa trajectória insustentável que, a não ser corrigida, pode levar o país, a breve prazo, a um desastre económico de grandes proporções e a um retrocesso de difícil recuperação. A situação financeira degradou-se fortemente nos últimos anos, sendo essa degradação visível tanto no que respeita à situação financeira global da economia, como no que respeita ao caso particular das finanças públicas, sendo evidentes as dificuldades de financiamento externo que colocam em risco a capacidade do Estado português solver os compromissos assumidos. Perante este panorama, o Orçamento do Estado para 2011 foi encarado como um instrumento impor tante de correcção da trajectória deficitária das contas do Estado, medida essencial para transmitir uma
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