TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
429 acórdão n.º 625/11 É inegável que, em ambos os casos, é o funcionamento da organização em que se inserem os trabalhadores que é imediatamente protegido pelo regime disciplinar, e esse funcionamento é tão mais afectado quanto mais grave forem as infracções praticadas; a verdade, porém, é que, na relação de emprego público, é o bom desempenho das tarefas obrigatoriamente levadas a cabo pela Administração no interesse geral que está em causa, ao passo que, numa relação de emprego privada, é o interesse particular do empregador e da sua empresa que é prosseguido. No confronto entre esses interesses – cuja prossecução exclusiva levaria à inexistência de prazos de prescrição –, por um lado, e a garantia da segurança dos trabalhadores – que justifica a definição de prazos de prescrição, e que é tanto mais protegida quanto menores eles forem –, por outro, o legislador está constitucionalmente autorizado a dar um relevo desigual, tendo em conta a prossecução do interesse público do bom funcionamento da Adminis- tração, à estabilidade e segurança do emprego.» Pode, assim, concluir-se que cabe na margem de liberdade do legislador apreciar e valorar de forma mais gravosa os ilícitos disciplinares mais graves – e é apenas esse o fundamento do n.º 2 do artigo 372.º do Código do Trabalho de 2003. 9. Não é, por fim, de sufragar o argumento segundo o qual a entidade empregadora, pelo facto de não ter exercido o direito de queixa, “não tem o direito de beneficiar do alargamento do prazo de prescrição da infracção disciplinar decorrente da qualificação dos factos como crime, porquanto isso violaria o princípio constitucional da presunção de inocência do arguido”. A extinção do direito de queixa apenas determina que o agente não poderá ser punido em sede penal, mas o princípio da presunção da inocência não impede que o mesmo facto apresente relevância jurídica e possa ser conhecido para efeitos disciplinares. Na verdade, a Constituição não proíbe que o legislador possa autonomizar o conhecimento da infracção disciplinar, face à perseguição penal, por serem responsabilidades de natureza diversa. O Tribunal Constitucional admitiu já a possibilidade de o mesmo facto poder integrar simultaneamente um ilícito disciplinar e um ilícito criminal, tendo em conta que se está perante “respon- sabilidades diversas e autónomas que tutelam bens jurídicos perfeitamente distintos, podendo o agente ser censurado pelo seu comportamento em dois planos diversos, o penal e disciplinar, sem ofensa de qualquer princípio constitucional” (citado Acórdão n.º 263/94). Estas considerações, tecidas a propósito de uma res- ponsabilidade disciplinar muito específica (dos reclusos), são ainda transponíveis para o presente caso, pois também a responsabilidade criminal e a responsabilidade disciplinar laboral se fundamentam na salvaguarda de bens jurídicos de natureza diferente. Esta diferença é suficiente para justificar a necessidade da punição disciplinar, mesmo quando as necessidades de prevenção geral e especial, em que se fundamenta a responsa- bilidade penal, tenham já cessado. III – Decisão 10. Nestes termos, o Tribunal decide negar provimento ao recurso. Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 25 unidades de conta, sem prejuízo do benefício com que litiga. Lisboa, 19 de Dezembro de 2011. – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão – Maria João Antunes – Rui Manuel Moura Ramos. Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República , II Série, de 2 de Fevereiro de 2012. 2 – Os Acórdãos n. os 263/94, 161/95 e 287/00 estão publicados em Acórdãos , 27.º, 30.º e 47.º Vols., respectivamente.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=