TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

42 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL pretendem justificar, em caso de desigualdade de tratamento, a distinção ou discriminação levada a cabo pelo legislador e, em caso de igualdade, a equiparação ou indiferenciação produzida. Ora, desse ponto de vista, tendo sobretudo em conta o amplo espaço de conformação que deve ser reconhecido ao legislador demo- crático, a resposta mais comum vai no sentido de uma autocontenção judicial que, todavia, conhece várias gradações. (…)». As normas sindicandas – artigos 19.º, 20.º e 21.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011) – introduzem reduções às remunerações mensais ilíquidas, a partir de determinados escalões remuneratórios, percebidas por um universo restrito de pessoas, como sejam, os enu- merados no n.º 9 do artigo 19.º, todas elas marcadas transversalmente por um elemento comum – ligação profissional ou funcional à Administração Pública, ou dito de outra forma, exercício de funções em regime específico de função pública –, servindo, portanto, no sector público. Tal redução remuneratória tem como escopo principal a satisfação dos encargos públicos (no caso, atra- vés da sua diminuição), permitindo que se atinja um maior equilíbrio financeiro, entre a despesa e a receita, a expressar a nível do Orçamento do Estado, obstando, a final, a um aumento da dívida soberana e, bem assim, a permitir que seja alcançada uma maior sustentabilidade económico-financeira do país. Porém, tal objectivo, de manifesto alcance nacional, não pode deixar de integrar interesse público geral a prosseguir por todos os que se encontrem nas mesmas condições remuneratórias previstas nas normas em causa, que já não e tão-só pelos que transportem a ‘mácula’ de exercício de funções em regime específico de função pública, sob pena de discriminação negativa, no mínimo, injusta, já que por razões, como se deixou dito, meramente sócio-profissionais, e em contravenção do disposto no artigo 13.º, n.º 2, da CRP [cfr., ain- da, artigos 18.º, n.º 3, e 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP]. Na realidade, sem embargo de se poder reconhecer que o interesse público geral, cuja definição compete ao legislador (à lei), justificará a medida adoptada, sempre restará por explicar a confinação dos seus encargos a um universo restrito ou especifico de pessoas, como seja, aos que exercem funções ou actividade em regime de função pública, sendo certo que estes poderão ver a sua situação ainda mais agravada (para além da redu- ção da “massa salarial”) em função de aumentos de impostos ou taxas que impenderão, naturalmente, sobre um universo de pessoas que, originariamente e em função do interesse público em causa, deveria responder, atento o princípio da igualdade, pelos encargos dele resultantes, interesse esse que, obviamente, não é espe- cífico dos que exercem funções públicas. Por mera curiosidade, deixa-se notado, sem qualquer propósito de defesa de estabelecimento de limite ao poder de conformação do legislador, para além, obviamente, dos resultantes da lei fundamental, o que a propósito da questão em análise deixou plasmado o Conselho Económico e Social (CES), no seu pare- cer de 26 de Outubro de 2010, sobre a Proposta de Orçamento do Estado para 2011(Pareceres do CES, www.ces.pt ): «(…) a redução de vencimentos dos funcionários públicos e dos trabalhadores do Sector Em- presarial do Estado (SEE) é uma medida injusta, uma vez que faz repercutir sobre estes trabalhadores grande parte do ónus de redução do défice, a qual a todos beneficia. O CES entende que tal tipo de medidas só deve ser tomado quando estão esgotadas todas as alternativas, o que o CES considera não ser o caso uma vez que se coloca uma grande parte do ónus da consolidação orçamental nesses funcionários. (…)». No que respeita aos artigos 20.º e 21.º da Lei do Orçamento em causa, na medida em que aditam normas aos Estatutos, respectivamente, dos Magistrados Judiciais (artigo 32.º-A) e do Ministério Público (108.º-A), a injustificação da redução daí resultante, sem levar a um total afastamento das razões supra referidas, fundar- -se-á mais na violação do princípio da confiança, tendo em conta a ideia de justiça e proporcionalidade, o que, desde logo, se afigura resultar da aplicação, sem qualquer razão expressa ou aparente adiantada pelo legislador, de uma redução em função de uma taxa superior (20%), como seja, o dobro da máxima prevista no artigo 19.º, e, ainda, da forte suspeita da sua intemporalidade, colocando-se, deste modo, em crise os valores da segurança jurídica e da protecção da confiança, perante a legítima expectativa criada nos destinatários em face do quadro normativo vigente à data da introdução de tais normas, no mínimo, de que não ocorreria um tratamento mais gravoso.

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