TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

41 acórdão n.º 396/11 O princípio Estado de direito democrático implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas. Merece, por isso, protecção constitucional a expectativa que os cidadãos legitimamente têm na manutenção de situações remuneratórias já alcançadas como consequência do direito em vigor, razão pela qual a normação que, de forma intolerável e arbitrária, prejudique aqueles mínimos de certeza e segurança que a comunidade e o direito tem de respeitar como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, deve ser entendida como não consentida pela Cons- tituição. O legislador não está impedido de, na prossecução ou salvaguarda de outros direitos ou interesses cons- titucionalmente protegidos, que mereçam prevalência, alterar o conteúdo daquelas situações remuneratórias, desde que tal medida, para além de necessária, não seja arbitrária. Ora, a justificação concretamente invocada para fundamentar a aprovação das normas que determinam cortes e reduções nos salários dos funcionários revela que o interesse público que tais normas visam proteger diz respeito à comunidade no seu conjunto, à generalidade dos cidadãos, e não, unicamente, aos funcionários públicos, grupo que, no entanto, é exclusivamente afectado pela referida redução salarial. Inexiste, em conse- quência, uma específica justificação para afectar, de forma exclusiva, esses trabalhadores, tendo em conta que a finalidade que o legislador ambiciona obter pode igualmente ser alcançada estendendo à generalidade dos cidadãos os encargos necessários à resolução dos problemas financeiros nacionais por via de simples medidas de natureza tributária, de fácil concretização prática. Finalmente, uma vez que as normas em análise visam expressamente reduzir, e de imediato, o montante remuneratório dos funcionários, perdem relevância argumentos retirados do carácter pretensamente provi- sório da medida e da natureza orçamental do diploma que a veicula; qualquer que seja o resultado a que tal discussão possa conduzir, manter-se-á inalterada e operante a protecção constitucional gerada pelas já referi- das expectativas. – Carlos Pamplona de Oliveira . DECLARAÇÃO DE VOTO A tese que obteve vencimento, no que concerne às questões – vigência temporal das normas impugna- das, participação das organizações dos trabalhadores na elaboração da lei, irredutibilidade dos salários, prin- cípio da protecção da confiança –, não me suscita uma posição de plena discordância, antes pelo contrário, ressalvando-se um ou outro aspecto quanto à fundamentação que a sustenta, designadamente quanto ao princípio da confiança e à sua projecção na análise e aplicação que veio de ser concretizada e no que respeita ao princípio da igualdade. Efectivamente, a discordância verifica-se, essencialmente, quanto à apreciação da questão de (in)consti- tucionalidade à luz do princípio da igualdade, já que entendo que tal princípio levaria a uma solução diversa da que obteve vencimento, ou seja, determinaria que se concluísse pela inconstitucionalidade material das normas sindicandas. Impõe-se, desde já, referir que se não é insensível à situação de gravidade e excepcionalidade – forte de- sequilíbrio financeiro das contas públicas e elevada dívida soberana – que afecta o país e, consequentemente, que a mesma exija a adopção de medidas de carácter excepcional e de forma a garantir, num futuro próximo, o afastamento de uma tal situação e a permitir a sua sustentabilidade económica e financeira. Porém, como se haverá de convir, tal situação de excepcionalidade não poderá conduzir a uma situação de afastamento de todo e qualquer controlo judicial, sem embargo de se dever reconhecer o amplo poder de conformação de que naturalmente dispõe o legislador democrático; na realidade, como afirma Jorge Reis Novais ( cfr. Os princípios constitucionais estruturantes , p. 111), «… Uma concepção constitucional de igualdade material conduz inevitavelmente a um padrão de controlo da sua observância em que o julgador é invariavelmente remetido para juízos de valoração que incidem sobre os fundamentos ou os critérios que

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