TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

403 acórdão n.º 579/11 1.º O facto tributário gerador ou constitutivo da ‘contribuição de melhoria’ criada pelo Decreto-Lei n° 43/98, de 3 de Março, é o aumento de valor dos prédios ou terrenos, resultante da possibilidade da sua utilização como terrenos para construção ou reconstrução urbana, nas freguesias cujas acessibilidades foram excepcional e substan- cialmente melhoradas com as obras públicas cuja realização está na base da edição daquele diploma legal. 2.° Como critério orientador da avaliação pericial que irá determinar tal ‘aumento de valor’, causalmente ligado à realização dessas obras públicas, o artigo 2.° do Regulamento aprovado pelo citado diploma legal manda atender ao valor hipotético que teriam os prédios em data anterior ao lançamento de tais obras públicas (que se estabelece com referência ao dia 1 de Janeiro de 1994), corrigido pelos coeficientes de desvalorização, e o valor actual de tais bens, à data em que se iniciou o processo de licenciamento que irá consumar e concretizar tal ‘aumento de valor’. 3° A ponderação da referida data – 1 de Janeiro de 1994 – surge, deste modo, como simples critério orienta- dor do juízo pericial de avaliação, não tendo, deste modo, relação directa com o facto tributário, nem implicando sequer que se esteja perante um facto tributário de formação sucessiva, como ocorreria se a lei mandasse tributar os acréscimos de valor entretanto ocorridos em cada ano fiscal. 4.º O apelo à referida data, como meio de possibilitar aos peritos avaliadores um critério e ponto seguro de referência, para determinar o ‘valor hipotético’ dos bens antes de iniciadas as obras públicas que os valorizaram, em nada afronta o princípio constitucional da proibição da retroactividade da lei fiscal (artigo 103.°, n.° 3, da Constituição). 5.º Não é, pois, inconstitucional, a norma do artigo 1.º, n.° 2 e artigo 2.° do Regulamento da Contribuição Especial, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 43/98, de 3 de Março, enquanto ficciona como data de aquisição do prédio, para efeitos do cálculo do valor sujeito a contribuição, 1 de Janeiro de 1994, sendo o licenciamento de construção ou de obra, requerido em data posterior à entrada em vigor daquele diploma legal. 6.° Consequentemente, deve conceder-se provimento ao recurso.» O recorrido contra-alegou e apresentou as seguintes conclusões: «A. Nos termos do citado n.° 1 do artigo 2.° do RCE, ‘[c]onstitui valor sujeito a contribuição a diferença entre o valor do prédio à data em que for requerido o licenciamento de construção ou de obra e o seu valor à data de 1 de Janeiro de 1994, corrigido por aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda [...], correspondendo para o efeito, à data de aquisição a data de 1 de Janeiro de 1994 e à de realização a data da emissão do alvará de licença de construção ou de obra’. B. Em face desta disposição, estamos manifestamente perante um imposto com natureza retroactiva, porquan- to se tributa um aumento de valor verificado muito antes da entrada em vigor do diploma legal que aprovou o res- pectivo regulamento – neste sentido, Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina, p. 43, nota 30; e id., “A Fiscalidade do Urbanismo”, in O Sistema Financeiro e Fiscal do Urbanismo, 1.° Colóquio Internacional, Coimbra, 13 e 14 de Outubro de 2000, Almedina, 2002, pp. 39 e segs., pp. 51 e segs. C. A quarta revisão constitucional veio consagrar expressamente o princípio da não retroactividade da lei fiscal, ao estabelecer, no artigo 103.°, n.° 3, como ‘parcela do direito de resistência fiscal’ (neste sentido, Jorge Bacelar Gouveia, A irretroactividade da norma fiscal na Constituição Portuguesa , CTF – BDGI, n.° 387, Jul/Set, 1997, págs. 49ss, p. 81), que ‘ninguém pode ser obrigado a pagar impostos […] que tenham natureza retroactiva’ (Lei consti- tucional n.° 1/97 de 25 de Setembro, que entrou em vigor em 5 de Outubro do mesmo ano). D. Como sublinhou o Tribunal Constitucional, ‘a proibição constitucional explícita de retroactividade em matéria fiscal não pode ser interpretada [...] restritivamente em termos semelhantes à jurisprudência anterior do Tribunal, como se não tivesse sido alterado o texto constitucional e apenas resultasse dos princípios gerais. Na expressa proibição de retroactividade não pode deixar de estar ínsita uma garantia forte de objectividade e auto- -vinculação do Estado pelo Direito.’ - Ac. TC n.° 172/2000 de 22/03/2000, a propósito da constitucionalidade das leis interpretativas em matéria fiscal em face da actual redacção do artigo 103°, n.° 3, da CRP. E. Sublinhe-se que, para Bacelar Gouveia, a inserção daquele princípio no direito de resistência fiscal, traduzin- do uma maior intensidade na desvalorização do acto e permitindo o não acatamento da norma fiscal, autorizaria

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