TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
397 acórdão n.º 577/11 Mas a tutela dos direitos de autor não se consome na protecção que o Estado concede à propriedade. A Constituição estabelece, no capítulo II do Título respeitante aos direitos, liberdades e garantias, sob a epígrafe “direitos, liberdades e garantias pessoais”, que a liberdade de criação cultural inclui a protecção legal dos direitos de autor. A propriedade intelectual surge, assim, integrada no âmbito do regime específico dos direitos, liberdades e garantias, beneficiando, portanto, de uma tutela mais intensa do que a que, em pri- meira linha, a Constituição reserva aos direitos económicos, sociais e culturais, enquadrados no Título III (ressalvando-se as devidas equiparações no caso dos direitos análogos, nos termos do artigo 17.º). 7.2. A protecção constitucional dos direitos de autor resulta, por conseguinte, não só da protecção da propriedade, entendida essencialmente como espaço de defesa pessoal perante a ingerência pública, mas tam- bém da tutela da personalidade, enquanto liberdade pessoal de criação. Trata-se da manifestação do direito ao desenvolvimento da personalidade, autonomizado, pela revisão constitucional de 1997, no artigo 26.º, n.º 1. A propósito da natureza complexa da propriedade intelectual, Gomes Canotilho fala num direito de troncalidade autoral com várias irradiações: como direito unitário, como direito de personalidade, como di- reito humano, como direito de propriedade, como direito privado, como direito de liberdade e como direito exclusivo. Não se lhe oferecem, no entanto, quaisquer dúvidas de que se trata de um direito fundamental (cfr. “Liberdade e exclusivo na Constituição”, in Estudos sobre direitos fundamentais , Coimbra Editora, 2008, pp. 220-223). 7.3. Para além da tutela interna, os direitos de autor beneficiam, entre nós, da tutela internacional resultante quer de documentos de índole convencional subscritos no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC), quer da tutela específica no âmbito da ordem europeia. No primeiro caso, importa observar que o acordo ADPIC/TRIPS (Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio) impõe já, no seu artigo 61.º, aos membros que estatuam sanções penais para a contrafacção de marca e a pirataria em relação ao direito de autor em escala comercial. No mesmo artigo, prevê-se também a possibilidade de a tutela pena se alargar a outras áreas da protecção da propriedade in- telectual, para além daquelas obrigações explícitas de criminalização, particularmente quando estiverem em causa ofensas voluntárias e em escala comercial. Quanto ao segundo espaço normativo referido, saliente-se que a questão da protecção da propriedade intelectual na actual União Europeia por via da tutela penal, não é tema novo. Foi ponderado, num primeiro momento, a propósito da Directiva 2004/48/CE, actualmente em vigor, tendo sido posteriormente retomado na proposta de Directiva COM(2006)168 final, relativa às medidas penais destinadas a assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual. Na exposição de motivos desta proposta, dizia-se que a contrafacção e a pirataria são fenómenos em expansão, com relevância internacional, que consubstanciam uma séria ameaça às economias nacionais (cfr. a este propósito, Paulo de Sousa Mendes, “A tutela penal de direitos de propriedade intelectual na Proposta de Directiva”, in Direito da Sociedade da Informação , vol. VII, Coimbra Editora, 2008, pp. 319 e segs.). Da proposta constava a obrigação, dirigida aos Estados-Membros, de qualificar como infracção penal qualquer violação intencional de um direito de propriedade intelectual quando cometida a uma escala comercial. As sanções previstas abrangiam, a título principal, a pena de multa e a pena de prisão. 7.4. A protecção da propriedade intelectual apresenta um carácter fundamental nas sociedades actuais. A ela se ligam considerações respeitantes ao desenvolvimento e progresso humano, muitas vezes em con- corrência com valores de protecção dos direitos da personalidade, dos direitos patrimoniais dos criadores e, até, exigências de segurança dos consumidores. O encurtamento das distâncias resultante da globalização, e o surgimento de espaços de integração económica, ambos aliados ao esbatimento das fronteiras entre os Estados, potenciam o efeito nefasto para as economias que deriva de violações maciças e em escala à pro- priedade intelectual, facilitadas pelo desenvolvimento tecnológico e pela democratização do acesso às novas tecnologias. Estas considerações fundamentam, em muitos casos, a opção pela criminalização que os Estados
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