TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
396 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL e da necessidade da pena, violando os princípios da justiça e da proporcionalidade decorrentes da ideia de Estado de direito democrático, nos termos dos artigos 18.º, n.º 2, e 2.º da Constituição. OTribunal começou por julgar tal norma inconstitucional em processos de fiscalização concreta (Acórdãos n. os 634/93, 650/93 e 141/95, o primeiro já citado e o segundo publicado no Diário da República , II Série, de 31 de Março de 1994, e o terceiro disponível em www.tribunalconstitucional.pt), tendo tais pronúncias culminado numa declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral através do Acórdão n.º 527/95, já citado. O outro rol de situações em que o Tribunal proferiu juízos de inconstitucionalidade relativamente a opções legislativas de incriminação abrange várias normas do antigo Código de Justiça Militar. Em todos esses casos, todavia, a censura do Tribunal incidiu sobre o facto de as normas em questão fixarem penas bas- tante superiores às que se encontravam previstas para os crimes correspondentes na legislação penal comum, tendo, portanto, igualmente como parâmetro fundamento da censura o princípio da igualdade. Foi o que sucedeu nos Acórdãos n. os 370/94, 958/96, 201/98 e 334/98 (publicados, respectivamente, no Diário da República , II Série, de 7 de Setembro de 1994, 19 de Dezembro de 1996, 24 de Julho de 1998 e 27 de Novembro de 1998). 6. Da análise conjunta dos dicta do Tribunal face às funções que lhe competem na fiscalização da constitucionalidade de soluções legislativas de incriminação, e das pronúncias em que, efectivamente, pro- feriu juízos de inconstitucionalidade, resulta a confirmação da conclusão que já se enunciou previamente. A separação de poderes do Estado impõe ao juiz, mormente ao juiz constitucional, que salvaguarde, com as cautelas necessárias, o espaço de liberdade de conformação que, em matérias de política criminal, pertence primacialmente ao legislador democrático, cuja legitimidade, assente no voto directo popular, lhe confere especial capacidade para decidir quais as condutas passíveis de constituírem ofensas penais, bem como quais as penas adequadas à punição das mesmas. A actividade de fiscalização do Tribunal deve ser, portanto, res- tringida a um controlo de evidência, relegando-se as decisões de inconstitucionalidade para os casos em que, de modo evidente ou manifesto, se excederam os limites à incriminação penal resultantes do princípio da proporcionalidade e da ideia de Estado de direito democrático. A recorrente defende, precisamente, que a incriminação do tipo aproveitamento de obra usurpada ofen- de o princípio da subsidiariedade penal bem como o princípio da necessidade da pena uma vez que o ilícito é cominado, igualmente, com pena de prisão até três anos, para além da pena de multa. 7. Vejamos então se a tipificação, como ilícito criminal, do aproveitamento de obra contrafeita ou usur- pada se pode qualificar como um caso em que o legislador violou manifestamente a liberdade de conforma- ção que lhe assiste em matérias de política criminal no que toca às decisões quanto às matérias que, em cada momento da vida social, devem ser qualificadas como ilícito criminal. 7.1. Segundo o artigo 199.º, n.º 1, do CDADC, quem vender, puser à venda, importar, exportar ou por qualquer modo distribuir ao público obra usurpada ou contrafeita ou cópia não autorizada de fonograma ou videograma, quer os respectivos exemplares tenham sido produzidos no País quer no estrangeiro, será punido com as penas previstas no artigo 197.º Trata-se de pena de prisão até três anos e de pena de multa de 150 a 250 dias. Sancionam-se, neste tipo, vários comportamentos que, com intuito economicamente lucrativo, têm origem em violações a direitos de autor. O bem jurídico tutelado por esta incriminação reside nos direitos de autor, os quais se apresentam como valores constitucionalmente relevantes, nos termos dos artigos 42.º, n.º 2, e 62.º da Constituição. A tutela da propriedade intelectual apresenta-se, no plano da nossa Constituição, como uma tutela multifacetada. Com efeito, a propriedade intelectual é, antes de mais, propriedade privada, abrangida, portanto, no núcleo essencial do direito fundamental de propriedade, nos termos do artigo 62.º, n.º 1, da Constituição (nesse sentido se pronunciou já o Tribunal no Acórdão n.º 491/02, publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Janeiro de 2003).
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